A poliomielite, popularmente conhecida como pólio, é uma doença infectocontagiosa, que acomete principalmente crianças na faixa etária abaixo de cinco anos de idade, provocada por um poliovírus selvagem (WPV), podendo levar sequelas motoras permanentes. Em sua maioria a infecção não produz sintomas, sendo que de 5 a 10 entre 100 pessoas acometidas podem desenvolver a doença (OPAS,2021). Descrita na Antiguidade, só foi reconhecida como um problema em saúde pública após epidemias em vários países no final do século XIX (DURANTE & POZ, 2014).
No entanto é uma doença prevenível por dois tipos de vacinas como a Salk injetável (com vírus inativado) e a Sabin oral (com vírus atenuados) disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
A Assembleia Mundial da Saúde, realizada em 1988, pela Organização Mundial da Saúde, criou a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio, desde então, estratégias foram elaboradas em busca da eliminação e consequente erradicação da poliomielite no Mundo e sua incidência foi reduzida em 99% (LIMA et al, 2021).
Após o último caso da doença confirmada, em 1991, a interrupção da transmissão autóctone do WPV nos continentes americanos foi considerada exitosa.
Em 2012, foi declarada uma emergência global, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), após episódios de surtos em países onde a doença não circulava.
Não obstante, ameaça permanece, em virtude da circulação do vírus em outros países politicamente conturbados, como Afeganistão, Nigéria e no Paquistão e pela baixa cobertura vacinal (LIMA et al, 2021 & OPAS, 2021). Pesquisas indicam que se erradicação no mundo fracassar a doença ressurgirá.
No Brasil, a doença está ausente há 31 anos, devido ao êxito nas campanhas de vacinação e nas ações de vigilância, como a das paralisias plácidas agudas (PFA) por meio da notificação compulsória imediata realizada em menores de 15 anos, bloqueio de surtos e observação de casos suspeitos. Entretanto, na última década, principalmente em 2020, a vigilância epidemiológica e o Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro, identificaram a falta de cumprimento das metas recomendadas, como a baixa cobertura vacinal e a queda das notificações de PFA, em todas as cinco regiões, inclusive com algumas Unidades Federativas silenciosas, alertando quanto ao risco de reintrodução da doença no país (ARROYO et al 2020 & BRASIL, 2021).
A imunização é reconhecida mundialmente como uma das estratégias mais eficaz e mais bem-sucedida para a prevenção de agravos preveníveis, sendo um dos componentes para a conquista da equidade em saúde, um dos princípios que regem o SUS. A redução de sua cobertura traz uma preocupação quanto a reemergência de doenças há muito tempo controladas (ARROYO et al, 2020).
Estudos apontam que desde 2016 já está havendo um declínio na cobertura vacinal, tendo a epidemia do sarampo, em 2019, como um dos resultados desta diminuição, acarretando ao Brasil a perda do certificado de país livre do sarampo.
Em 2020, com a pandemia de COVID-19, essa queda ficou mais evidente nas vacinas de rotina, tanto no Brasil como no mundo, devido a imposição de um distanciamento social provocando um temor na população em frequentar o serviço de saúde, deixando as crianças mais expostas a adquirirem outras doenças imunopreveníveis (NUNES, 2021).
Infelizmente, presenciamos o fortalecimento do movimento anti-vacina nos últimos anos, com o crescimento desenfreado das chamadas práticas médicas sem fundamento científico divulgadas a população leiga, por meio das redes sociais, evidenciadas durante a pandemia com as inúmeras fake news.
Diante do exposto, como podemos agir para mudar essa situação?
As divulgações das pesquisas com evidência científica são sempre em mídias/sites com pouco acesso a população insciente. Talvez pensarmos em novas estratégias para divulgação do conhecimento científico perante essa população seja um caminho a ser seguido.
O que não podemos é deixar que esses movimentos negacionistas se fortaleçam cada vez mais colocando a população em risco com o ressurgimento de doenças controladas no passado.
Referências
ANDRADE, Fernanda Fernandes. Et al. Movimento antivacina: Uma ameaça real. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 02, pp. 72-79. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/ameaca-real, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/ameaca-real
ARROYO, L.H & ARCÊNCIO, R.A.; Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad. Saúde Pública 36 (4). 06 Abr 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00015619. Acesso em 19/09/2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ofício Circular nº 222/2021/SVS/MS. Alerta quanto ao risco de reintrodução da Poliomielite no país. Brasília, 18 de agosto de 2021.
DURANTE, A.L.T & POZ, M.R.D. Saúde global e responsabilidade sanitária brasileira: o caso da erradicação da poliomielite. Ensaios. Saúde debate 38(100), Jan-Mar 2014. Disponível em: https://doi.org/10.5935/0103-104.20140007. Acesso em 21/09/2021.
LIMA, E.S. et al. Current pólio status in the world. J.Bras. Patol.Med.Lab. 57. 2021. Disponível em https://doi.org/10.5935/1676-2444.20210022. Acesso em 19/09/2021.
NUNES, L. Cobertura Vacinal do Brasil.2020. Panorama IEPS. Instituto de Estudos para Políticas de Saúde. Maio, 2021. Disponível em: https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2021/05/Panorama_IEPS_01.pdf. Acesso em 21/09/2021.
Organização Pan-Americana da Saúde. Poliomielite. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/poliomielite. Acesso em 19/09/2021.
VERANI, J.F.de S.; Poliomielite no Brasil: do reconhecimento da doença ao fim da transmissão. Resenha. Cad. Saúde Pública 36 (Supl 2). 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00229019. Acesso em 20/09/2021.
Apesar de considerar o ano de pandemia uma preocupante lacuna na cobertura vacinal, acho o apontado fortalecimento do movimento anti-vacina, Andrea, a questão urgentemente séria para o ressurgimento de doenças anteriormente controladas no Brasil, como o sarampo e a poliomielite. Se ele tem ganhado força desde meados da década de 2010, com o fortalecimento de movimentos populista de extrema-direita com caráter anticientificista, a pandemia se tornou claro palco para a difusão dessa retórica de ampla nocividade. Nosso país tem, por tradição, uma aceitação grande de vacinas, após décadas de investimento governamental em amplas campanhas nacionais de vacinação – mas aquilo que muito demora para ser construído, por facilmente se desmontar no ar. Resta saber quais serão os impactos do discurso “antivax” durante a pandemia do COVID-19 a longo prazo, em termos de aceitação de vacinas pelo grosso da população, e se isso pode acarretar no reaparecimento de doenças como a poliomielite.