O movimento migratório é um fenômeno visto desde os primórdios da humanidade, o qual acompanhou o desenvolvimento das civilizações ao redor do mundo. Com as rápidas mudanças ambientais, demográficas, político-sociais, as necessidades e motivações das migrações também se transformaram. Na atualidade, os fluxos migratórios vem ganhando destaque por sua quantidade, complexidade e velocidade, atingindo amplamente todos os continentes, diferentes grupos sociais, gêneros, etnias e idades. Diante de um mundo globalizado, onde as distâncias físicas parecem ter sido reduzidas, a migração vem se apresentando como uma alternativa, muitas vezes a única, para situações de conflitos armados, desastres naturais, pobreza, regimes autoritários e etc. Para ilustrar, de acordo com o relatório do ACNUR, em 2020 o número de refugiados e deslocados subiu para 82,4 milhões, maior número já visto.
Ao aprofundar nas migrações populacionais, diversos fatores são levantados a respeito dos fluxos populacionais e dos migrantes em si, sendo um deles sua saúde. De um levantamento amplo de pesquisas e indicadores no tema, é possível concluir que os migrantes são mais vulneráveis às doenças de forma geral. A cerca deste tema, são recorrentes as análises superficiais e xenofóbicas, as quais exploram unicamente como causas desse problema: os comportamentos desses grupos, o próprio processo de migração, ou até mesmo as condições vividas em seus países de origem. Entretanto, a vulnerabilidade não está associada à condição de migrante em si desses indivíduos, na verdade, são diversos os determinantes que impactam diretamente essa correlação, tornando a discussão e as possibilidades de solução mais complexas. (Dias et al, 2007)
Os principais fatores que influenciam a saúde de um indivíduo são: biológicos, genéticos, psicossociais, estilos de vida e comportamentos, espaço físico, socioeconômico e cultural, aspectos relacionados ao sistema de saúde nacional, fatores políticos e macro-sociais (Dias et al, 2007). Sendo assim, nota-se que a saúde dos imigrantes, também é condicionada por fatores locais do próprio país receptor, e portanto, é dever das autoridades públicas garantir direitos básicos para suas populações, sejam elas de origem migratória ou não, assim como prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Aprofundando nos fatores econômicos e sociais, nota-se um padrão de degradação dessas populações imigrantes, os quais enfrentam condições de extrema pobreza, exclusão social e precariedade no trabalho. Geralmente, a maioria dos imigrantes ou exercem atividades de baixa qualificação no mercado formal (limpeza, produção agrícola) ou exercem atividades no mercado informal de maneira precarizada. É comum que tais atividades não tenham condições adequadas de trabalho, de forma que comprometem a saúde desses grupos, criando-se um dilema entre saúde e renda. (Granada et al, 2017)
Em meio a vulnerabilidade social, é notória a alta demanda das populações imigrantes por serviços de saúde. No Brasil, a legislação brasileira reconhece a saúde como um direito universal, e portanto garante acesso dos imigrantes ao Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, na prática, são diversos os desafios de acesso e utilização do SUS pelas populações imigrantes, limitados por barreiras legislativas, diferenças culturais e linguísticas, bem como por questões estruturais.
De acordo com a agência da ONU, Organização Internacional para Migrações, em 2021, estimou-se que 157 mil venezuelanos necessitam de algum atendimento do sistema de saúde, sendo 64% deles para doenças crônicas, e mais de 43 mil mulheres venezuelanas precisam de serviços de saúde sexual e reprodutiva. Por outro lado, são recorrentes os relatos de discriminação e xenofobia no atendimento dessas populações, geralmente associados às diferenças linguísticas, criando barreiras e desincentivos para a busca de atendimento desse grande volume populacional.
A situação é ainda mais difícil para os imigrantes irregulares, dados os limites legislativos do sistema brasileiro, os quais restringem o acesso desses indivíduos aos serviços de saúde, levando parcela dos imigrantes a optarem por alternativas como a automedicação e métodos alternativos. Nesse caso, as restrições de atendimento impactam ainda mais a saúde desses indivíduos, levando-os a situações de saúde de maior gravidade e que demandam maiores custos no médio-prazo, dado que não buscam atendimento para prevenção. (Dias et al, 2007)
Com base na análise desses dois fatores determinantes da saúde dos imigrantes, torna-se evidente a importância de se analisar a saúde dos imigrantes como um fenômeno multifatorial, que inclui uma dimensão macro-social ligada ao ambiente político, econômico, social dos países receptores. Nesse sentido, observa-se grande responsabilidade das esferas de poder local e das políticas públicas na garantia de condições adequadas para a manutenção e tratamento da saúde. No Brasil, há legislações específicas para imigrantes, como a Lei de Imigração, no entanto, ainda são insuficientes as iniciativas dos poderes públicos para a integração desses indivíduos em sistemas de segurança social e nas políticas de acesso a serviços sociais.
Tendo isso em vista, é preciso ir no sentido de uma análise transversal dos determinantes de saúde, abrindo mão da ideia de que a imigração em si é o principal fator de risco para a saúde dos imigrantes. Assim, será possível promover a saúde dos imigrantes no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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