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A Saúde Mental durante a Pandemia – um recorte demográfico dos seus impactos, de Jefferson Oliveira

19 novembro 2021

A Saúde Mental durante a Pandemia – um recorte demográfico dos seus impactos, de Jefferson Oliveira

A pandemia de Sars-Cov-2 trouxe muitas “primeiras vezes” para as sociedades e indivíduos ao redor do mundo. Muitos de nós sequer lembramos da última pandemia – H1N1 – e certamente a maior parte de nós nunca viu uma pandemia tão letal. Algumas experiências foram menos universais, como a de muitos países, nos quais o Brasil se inclui, que nunca passaram pela necessidade ou obrigatoriedade do uso de máscaras. Outras experiências foram quase universais, como a experiência da quarentena, onde vimos centenas de milhões de pessoas experienciaram a quarentena de uma forma ou de outra –  curta ou longa, sozinhos ou acompanhados.

Todas essas ações tinham o objetivo de evitar sobrecargas dos sistemas de saúde e mortes. Mas há um impacto menos aparente que a pandemia e a quarentena trouxeram – o impacto sobre a saúde mental dos indivíduos. Esse impacto vem de muitas formas, seja pelo medo da doença e da morte de pessoas próximas, as dificuldades financeiras ou a solidão vinda com o distanciamento social. Um estudo do IPEC – Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica traz uma lupa para esse tema e nesse post trago uma lupa para essa pesquisa.

O IPEC entrevistou 2000 pessoas de forma online em 4 Regiões Metropolitanas e 1 Capital – São Paulo Capital e as RMs de Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador e Belo Horizonte.

Impactos

Os impactos de uma pandemia na saúde mental são de suma importância. Como demonstrado por Reardon, esses impactos podem perdurar por muito mais tempo do que a pandemia em si, além de ter o potencial de impactar muito mais pessoas do que o número de contaminados.

A pandemia teve impactos diversos na saúde mental da população brasileira, mas todos os grupos apresentaram impactos em algum nível. Olhando a pesquisa como um todo, 30% dos respondentes classificaram sua saúde mental como Ruim ou Muito Ruim durante a pandemia.

Elaborado pelo autor

Por exclusão, vemos que 70% classifica sua saúde mental entre Normal e Muito Boa. Apesar desse valor otimista, apenas 29% dos respondentes afirmam não apresentar nenhum dos sintomas dispostos abaixo. Entre eles destaco Angústia e/ou medo e Crises de Choro presentes em 36% e 21% dos respondentes, respectivamente.

Elaborado pelo autor

Esses valores trazem uma avaliação menos subjetiva do estado da saúde mental dos indivíduos.

Recortes Sociodemográficos

A diferença entre grupos na sociedade é bastante evidente. Os recortes de gênero, classe e faixa etária mostram impactos bastante desproporcionais entre os indivíduos.

A começar pelo recorte de gênero, vemos que as mulheres reportaram uma incidência em torno de 1.5x maior para cada sintoma, e as que não reportaram nenhum dos sintomas representam metade do percentual de homens que não reportam.

Elaborado pelo autor

Jovens adultos entre 18-24 anos são o grupo mais impactado entre todos os recortes sociodemográficos. 50% dos indivíduos neste grupo classificam sua saúde mental em Muito Ruim ou Ruim e apenas 4% como Muito Boa.

Elaborado pelo autor

Com esses valores, apenas 13% dos entrevistados deste grupo afirmaram não apresentar nenhum dos sintomas listados durante a pandemia.

Elaborado pelo autor

Por fim, as classes sociais apresentam um forte impacto na saúde mental dos indivíduos. No gráfico abaixo vemos o percentual de respostas para cada classe social. Destacado em branco vemos a diferença a mais para aquela resposta dentro de cada Classe. Dessa forma, dentro da Classe A temos 9 pontos percentuais a mais de respondentes em Saúde Mental Muito Boa e 12 pontos percentuais a mais em Saúde Mental Boa.

Elaborado pelo autor

Angústias e Tratamentos

Dentre as principais angústias dos entrevistados a Dificuldades Financeiras aparece como principal para as Classes B e C. Esse tópico fica em segundo para a Classe A  atrás apenas de Medo de Pegar Covid-19. O tópico Morte de alguém próximo  também evidencia o que diversos estudos mostraram: as mortes de Covid-19 rapidamente se tornaram sobretudo determinadas por renda e CEP.

Elaborado pelo autor

O gênero dos indivíduos é outro grande determinante nesta questão, com 30% dos homens afirmando que sua saúde mental não foi impactada pela pandemia, versus apenas 13% das mulheres.

Elaborado pelo autor

Aqui, e em alguns dos recortes anteriores observamos diferenças grandes nos dados entre homens e mulheres. Essas diferenças são explicadas sobretudo por desigualdades de gênero as quais foram amplificadas em muitos âmbitos durante a pandemia conforme demonstrado por Marcela Almeida et al.

Um tópico correlato é o que Affleck et al chamam de crise silenciosa de saúde mental dos homens. Esse tópico pode explicar parcialmente o grande número de homens que afirmam não terem sido impactados ou não apresentarem sintomas durante a pandemia, uma vez que a relação entre papéis de gênero e a dificuldade de homens em buscar ajuda é bem documentada na literatura.

Nesta última visualização, temos um funil formando o trajeto entre sintomas e tratamento. Aqui destaquei apenas os indivíduos com Saúde Mental Ruim ou Muito Ruim – que representam 30% dos entrevistados. Depois, dentro desse grupo apenas 34% dos entrevistados são efetivamente diagnosticados. Por fim, dentre os diagnosticados, 1 terço não seguiu com nenhum tratamento.

Na terceira etapa do funil, destaquei a composição dos diagnósticos dentro do grupo com pior saúde mental – vemos que Ansiedade é o principal diagnóstico com 47% seguido por Depressão e Sìndrome do Pânico.

Elaborado pelo autor

        Conclusão

É evidente que a Saúde Mental da população brasileira foi impactada de diversas formas durante a Pandemia. Todos nós experienciamos um mundo diferente, com algumas experiências difíceis, algumas terríveis e algumas que aprendemos a conviver. Além disso, essas experiências foram bastante diferentes a depender dos grupos nos quais cada um de nós estamos inseridos, com os mais pobres, mulheres e jovens adultos sendo muito mais impactados.

        Referências

Faro, André et al. COVID-19 e saúde mental: a emergência do cuidado. Estudos de Psicologia (Campinas) [online]. 2020, v. 37 [Acessado 15 Novembro 2021] , e200074. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200074>. Epub 01 Jun 2020. ISSN 1982-0275.

Reardon S. Ebola’s mental-health wounds linger in Africa. Nature. 2015 Mar 5;519(7541):13-4. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/519013a>

Affleck W, Carmichael V, Whitley R. Men’s Mental Health: Social Determinants and Implications for Services. Can J Psychiatry. 2018 Sep;63(9):581-589. Epub 2018 Apr 19. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29673270/>

Silva, Rafael Pereira e Melo, Eduardo Alves. Masculinidades e sofrimento mental: do cuidado singular ao enfrentamento do machismo?. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, v. 26, n. 10 [Acessado 15 Novembro 2021] , pp. 4613-4622. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.10612021>. Epub 25 Out 2021. ISSN 1678-4561.

ASSIS, Joanna e MORENO, Carolina. Estudo mostra que 66% de mortos por Covid-19 na Grande SP ganhavam menos de 3 salários mínimos.  Disponível em <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/16/estudo-mostra-que-66percent-de-mortos-por-covid-19-na-grande-sp-ganhavam-menos-de-3-salarios-minimos.ghtml>

ALMEIDA, M. et al.  The impact of the COVID-19 pandemic on women’s mental health. Arch Womens Ment Health, v. 23, n. 6, p. 741-748, Dec. 2020. Doi: 10.1007/s00737-020-01092-2 Disponível em:  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7707813/

IPEC – Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica. PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA SOBRE SAÚDE MENTAL. Agosto 2021. Disponível em <https://www.ipec-inteligencia.com.br/Repository/Files/38/JOB_1240_SA%C3%9ADE%20MENTAL%20-%20Relat%C3%B3rio%20de%20tabelas%20(Imprensa).pdf>

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