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O papel das Organizações Internacionais de Saúde na Saúde Global e em Crises Sanitárias, de Paulo Henrique Andrade Silva

17 novembro 2021

O papel das Organizações Internacionais de Saúde na Saúde Global e em Crises Sanitárias, de Paulo Henrique Andrade Silva

Crises têm sido, historicamente, um catalisador de processos no sistema internacional (SEITENFUS, 2004). Em um contexto global ou regional de relativa degradação ou ameaça em uma ou mais áreas de interesse coletivo – uma crise, seja ela econômica, de saúde, de segurança, etc. -, onde os principais atores do cenário internacional precisam unir esforços para trazer uma resposta à problemática enfrentada, as atenções rapidamente se voltam para os agentes capazes de centralizar a cooperação global em torno de uma estrutura institucionalizada: as organizações internacionais.

Desde que as primeiras notícias a respeito do alastramento de um novo vírus desconhecido na China começaram a emergir, os olhos do mundo logo se voltaram para a Organização Mundial da Saúde (OMS), com expectativas para algum tipo de comunicado ou resposta que continuaram a crescer conforme a doença se espalhava.

E a resposta veio no dia 30 de janeiro de 2020, quando a OMS finalmente declarou o surto de Covid-19 uma emergência de saúde pública de importância internacional, tendo em vista o alastramento do vírus para além das fronteiras chinesas e sua potencialidade para se tornar uma pandemia, algo que se confirmou com um novo anúncio do órgão no dia 11 de março do mesmo ano. De lá pra cá, essa organização, bem como outras organizações regionais de saúde, esteve no centro dos holofotes do sistema internacional, juntamente com as críticas e debates acerca de suas respostas e papéis frente a crises sanitárias globais.

É inegável a importância e a primazia da OMS perante pandemias e crises de saúde passadas. Antes mesmo de sua criação em 1948, a comunidade internacional já se articulava envolta de mecanismos institucionais de padronização e controle em saúde, como visto ao longo do século XX, quando a própria Liga das Nações e comissões especiais tratavam do tema. Com o nascimento da OMS, contudo, a saúde humana ganhou de vez uma perspectiva global.

Como mencionado pela professora Deisy Ventura em seu artigo “Do Ebola ao Zika: as emergências internacionais e a securitização da saúde global”, a epidemia de Ebola na África Ocidental em 2014 se tornou um exemplo da securitização global de um tema de saúde e da atuação da OMS perante uma crise sanitária. A criação da Missão das Nações Unidas para a Ação de Urgência Contra o Ebola (MINAUCE) se consagrou a primeira missão sanitária de urgência da organização e contribuiu para o controle do surto da doença, porém a atuação do organismo sofreu críticas por conta da demora para tomar medidas (VENTURA, 2016).

Outras crises sanitárias também destacaram o papel da OMS como agente global de saúde, como foi o caso do surto de H1N1 em 2009 e Zika Vírus em 2016, ambos elevados a Emergências de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) pela organização, destacando como, cada vez mais, a crescente globalização e intensificação da circulação mundial de pessoas e bens eleva também o risco de propagação de agentes infecciosos para além das fronteiras nacionais, algo tratado pelo Regulamento Sanitário Internacional (RSI), vinculante a todos os 196 países e que ampara a OMS na tomada de decisões nesses casos (VENTURA, 2016).

Para além dos momentos de crise, a importância e o papel da OMS também ficam evidentes ao observarmos alguns marcos da instituição, como a Convenção sobre o Controle do Tabaco, de 2003, e a erradicação da Varíola em 1980, ambas iniciativas de grande sucesso e abrangência na área da saúde global creditadas à articulação da OMS. Além disso, o organismo tem o papel de padronizar, a nível internacional, diversos parâmetros de saúde, como é o caso da Classificação Internacional de Doenças (CID), que facilita o diagnóstico o tratamento de doenças independentemente do país, além de toda assistência técnica, execução de iniciativas e pesquisas conjuntas, redistribuição de fundos de financiamento em saúde, a OMS também coordena programas de grande relevância internacional, como é o caso do COVAX Facility, que busca distribuir vacinas contra a COVID-19 para países de baixa renda especialmente, como reforçou a professora Ventura em entrevista ao Instituto Claro no ano passado.

E para além da OMS, contamos também com o apoio de organismos regionais de saúde, como é o caso da OPAS, a Organização Pan-Americana de Saúde, cuja origem, em 1902, é anterior à própria OMS, sendo o organismo internacional de saúde mais antigo ainda em atividade e que foi crucial para a articulação de políticas públicas e melhora dos indicadores de saúde no continente americano ao longo do último século, tendo um papel importante na diminuição da mortalidade infantil e aumento da expectativa de vida (PAIVA, 2006).

Como toda organização, a OMS e suas subsidiárias enfrentam críticas e pontos a melhorar. Com a pandemia de COVID-19, esses organismos passaram a sofrer diversos ataques e viraram alvos de fake news acerca de seus interesses. O fato é que, muito distante do que alegam conspiracionistas, a OMS não está a mando da China, e sim aos interesses da comunidade das nações. Não podemos negar a influência e pressão que a organização sofre por parte da indústria farmacêutica e de seus principais financiadores, sejam eles estados como os Estados Unidos, ou organizações como a Fundação Gates, mas o fato é que a OMS e outros órgãos internacionais de saúde já demonstraram por mais de uma vez sua importância para o enfrentamento de crises sanitárias e para o desenvolvimento geral da saúde humana, principalmente para nações subdesenvolvidas. Passada a crise, o caminho deve ser procurar maneiras de melhorar, financiar e ampliar a atuação desses órgãos, já que os desafios na área da saúde cada vez mais se globalizam, exigindo de nós respostas também globais.

Referências Bibliográficas

CARDOSO, Ítalo. Desafios das organizações internacionais no combate à pandemia. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/343631/desafios-das-organizacoes-internacionais-no-combate-a-pandemia>

OPAS. OMS declara emergência de saúde pública de importância internacional por surto de novo coronavírus. 2020. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/news/30-1-2020-who-declares-public-health-emergency-novel-coronavirus>

PAIVA, Carlos. A OPAS em foco: uma história das relações internacionais em saúde na América. 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/hcsm/a/PMwHGqmbB9HQpD3hKGTc7Md/?lang=pt>

SEITENFUS, Ricardo. Da esperança à crise: as organizações internacionais frente ao Direito e ao poder. Universidade Federal de Santa Maria. Brasil. 2003. Disponível em <https://www.passeidireto.com/arquivo/25965331/seitenfus-da-esperanca-a-crise-as-organizacoes-internacionais-frente-ao-direito->

VALLE, Leonardo. Qual a importância da OMS? Especialista em direito sanitário explica. Instituto Claro. 2020. Disponível em: <https://www.institutoclaro.org.br/cidadania/nossas-novidades/reportagens/qual-a-importancia-da-oms-especialista-em-direito-sanitario-explica/>

VENTURA, D. Do Ebola ao Zika: as emergências internacionais e a securitização da saúde global. Cadernos de Saúde Pública, v. 32, n.4. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-311X00033316>

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