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Estava no intercâmbio e descobri que seguro saúde de viagem não cobre pandemia: e agora?, de Bruna Doná Mourão

6 novembro 2021

Estava no intercâmbio e descobri que seguro saúde de viagem não cobre pandemia: e agora?, de Bruna Doná Mourão

Preciso começar esse texto informando aos leitores que ele contém diversos trechos de white people problem, privilégios e sorte. Confesso que hesitei em escrevê-lo e contar o meu relato aqui no blog, porém como muitos alunos do IRI fazem intercâmbio anualmente, entendi que seria válido compartilhar a minha experiência. Afinal, não gostaria que alguém tivesse que passar pelo mesmo “perrengue chique” que eu passei. 

No segundo semestre de 2019, eu recebi a tão sonhada notícia que tinha sido aprovada para realizar um intercâmbio acadêmico em Trento, cidade localizada no norte da Itália. Dentre as diversas burocracias que tive que ir atrás para conseguir o meu visto de estudante, uma delas foi a compra de um seguro de saúde que cobrisse todo o continente europeu, já que também queria viajar para outros países. O primeiro arrependimento começa aqui: não ter feito o CDAM/ IB21 (assistência médica para brasileiros na Itália). Documentos ok, eu embarquei. Cheguei em Milão no dia 29/01/2020, exatamente duas semanas antes do país se tornar o epicentro da doença no continente europeu. Dia 01/02/2021 já em Trento, eu conheci o Luca Facchinelli (guardem esse nome que depois eu vou falar mais sobre ele). 

Era o final de semana do carnaval quando as coisas começaram a ficar realmente feias no país. E ficaram ainda piores, pra mim, quando a ONU declarou que a situação da COVID-19 fora classificada como epidemia e pandemia. Diante dessa declaração da OMS, eu não teria nenhuma cobertura e assistência médica, caso pegasse a doença. Estava escrito na minha apólice, em uma daquelas 50 páginas em letras pequenas, que o seguro não cobriria casos de epidemia, pandemia, desastres naturais, acidentes causados por esportes e entre outros. Nesse momento, me senti completamente desamparada, irritada e de certa forma burra também, por conta do serviço que eu mesma havia contratado. A justificativa, na perspectiva das seguradoras, se encontra no fato de que ao trabalharem com ciclo de caixa inverso, o acionamento em massa do seguro poderia levar à falência das empresas já que os valores desembolsados seriam extremamente elevados. O Procon de MG considera essa cláusula como abusiva e o promotor Paulo de Tarso Morais Filho recomenda brigar na justiça quando necessário, uma vez que vai contra a resolução da Agência Nacional de Saúde (ANS) que editou a resolução 453, de 12/03/2020, no sentido de incluir no rol dos exames obrigatórios o Covid-19 – de procedimentos de diagnóstico e terapêuticos até UTI, nos planos de saúde desde o caso suspeito seja definido por um profissional de saúde”.

Nesse momento, minha mãe no Brasil me deu um ultimato. Ou eu resolvia essa situação na Itália ou eu voltava pra casa. Como não queria voltar, resolvi. Descobri que por ter sido convidada por uma Universidade italiana eu tinha o direito de aderir ao “SUS” de lá. Lembra do CADM/ IB2 que eu não fiz no Brasil porque só cobria a Itália? Pois é, tive que fazer de qualquer jeito. E ao invés de pagar R$150 eu paguei 150 euros! Como não tinha nem 1 mês que estava no país, uma das principais barreiras que tive foi resolver toda essa situação e ir nos órgãos públicos responsáveis sem falar italiano. E aí a sorte bateu na minha porta. Lembra do Luca? Nessa época já estávamos saindo e ele me levou em todos os trocentos lugares que tivemos que ir para resolver essa situação. 

Além disso, na Itália, é necessário escolher um médico que é tipo um “médico de família” responsável pelo seu primeiro atendimento. Sorte número 2: a tia do Luca é médica e foi ela quem eu escolhi. Meu medo era que caso acontecesse algo comigo e eu parasse no hospital, eu poderia ser tratada com muita indiferença. Afinal, era uma estrangeira, latina, que não falava italiano e poderia ser colocada em último lugar na lista de “quem salvar” na eventualidade dos recursos estarem escassos. Ter o contato do Luca, que na época já tinha me pedido em namoro, foi um alívio. Pois, infelizmente, como diz a minha mãe “a vida é feita de contatos” e ter esse contato seria muito válido caso fosse necessário acioná-lo. 

Eu sou extremamente grata a dois elementos do meu intercâmbio. O primeiro, é que nunca cheguei a utilizar nenhum dos dois seguros que acabei fazendo. E o segundo, foi quando o Luca me chamou para morar com ele e com sua família, para que eu não ficasse sozinha no meu apartamento, quando as medidas de restrição e isolamento foram oficialmente adotadas. Sem nada a perder, eu fui. Se por um lado a pandemia fez com que eu ficasse trancada em casa, sem poder sair, sem poder passear e conhecer o país, por outro foi a melhor aula de língua e cultura italiana que eu poderia imaginar. A família Facchinelli foi um presente no meu intercâmbio! Fui muito bem recebida e tratada, me ensinaram a falar italiano, a cozinhar, fizemos massa caseira, jogamos diversos jogos de mesa e bebemos muito vinho, cerveja, grappa e limoncello!

Hoje, após quase dois anos desde o início da pandemia, já é possível encontrar seguradoras que oferecem apólices que cobrem a doença do COVID-19, já que muitos destinos internacionais começaram a exigi-las. Ou seja, como é de se esperar, em uma sociedade capitalista que visa o lucro, as seguradoras encontraram nessa situação uma forma de venderem seus produtos de forma personalizada e adaptada ao cenário de saúde atual global. Como nem tudo são flores e a vida não é aquela que vemos no instagram, eu e o Luca atualmente não estamos mais juntos como namorados, mas sempre, pelo menos no que depender de mim, como amigos. Consequentemente, para todos que chegaram até aqui a moral do texto é: se forem para a Itália façam o CDAM/ IB2 aqui no Brasil e por mais que a gente tente planejar as coisas, a vida é cheia de surpresas!

PS.: quando conto essa história muitas pessoas me falam que parece aqueles romances de adolescentes, porém tudo o que escrevi é verdade e realmente aconteceu!  

Referências:

1https://viajantesolo.com.br/viajar-sozinha/documentos/ib2-assistencia-medica-na-italia

Bibliografia:

https://www.revistaapolice.com.br/2020/12/o-que-voce-precisa-saber-sobre-seguros-de-viagem-na-pandemia/

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Jenifer Torres Toniolo
2 anos atrás

Bruna, sua experiência foi uma verdadeira saga! Fico feliz por tudo ter dado certo e por você ter conhecido o Luca, que te ajudou bastante. E além disso o seu texto é bastante informativo para quem estiver planejando uma viagem para a Itália. Fazer o bendito CDAM/IB2 no Brasil é estar melhor assistida em saúde na Itália. Acredito que essa é uma informação que deveria ser fornecida aos alunos intercambistas para evitar situações desagradáveis como a que você passou. Obrigada por nos informar.