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Engajando o público: os desafios e as problemáticas de campanhas de conscientização em saúde, de Marina Novaes Lopes

18 novembro 2021

Engajando o público: os desafios e as problemáticas de campanhas de conscientização em saúde, de Marina Novaes Lopes

A Organização Panamericana para a Saúde (PAHO, na sigla em inglês), lançou, em sua Agenda de Saúde Sustentável das Américas para o ano de 2020, um calendário contabilizando 56 dias de conscientização sobre temas de saúde pública. Estes temas seguiam, em grande medida, datas internacionais pré-estabelecidas, também consideravam meses temáticos – como o já consolidado Outubro Rosa – e estavam distribuídos de acordo com as metas específicas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável relacionados à saúde. 

A existência de um calendário de conscientização em saúde não é novidade, mas é inegável que as campanhas de mobilização do público têm se popularizado nos últimos anos, tanto em questões de saúde como em temas mais relacionados ao impacto social. Apesar de haver já algumas datas universalizadas e tão tradicionais a ponto de serem reconhecíveis pelo público, não há um calendário exato estipulado para campanhas de conscientização em saúde, ficando a cargo de autoridades médicas de diferentes níveis estabelecer quais problemas serão enfatizados em cada fórum. Nos anos 1980, teóricos da comunicação desenvolveram o conceito do Modelo do Déficit de Informação para descrever a crença que o ceticismo do público em relação a novidades nos campos de ciência e tecnologia se deve a priori a uma falta de conhecimento sobre os mesmos, de modo que quanto mais informação o público tivesse ao seu alcance, maior seria a aceitação daquelas.

 Dentre os principais benefícios de tais campanhas publicitárias, quatro saltam aos olhos de primeira mão: prevenção; reduzir ou corrigir a desinformação; reforçar o compromisso individual e coletivo de apoio a grupos vivendo com condições crônicas de saúde; e criar comunidades de apoio para pessoas vivendo com as mesmas condições. Adentrando então na esfera de engajamento público, vale citar ainda os aspectos de informação do cidadão, aumento do interesse público e, consequentemente, do investimento no tema, e o surgimento de novas visões sobre o assunto a partir da proliferação do debate. 

Entretanto, apesar de a conscientização (seja sobre uma doença, uma causa, ou mesmo um produto) preceder a ação em qualquer estratégia de marketing, há quem questione a efetividade dessa modalidade de campanha em saúde pública, afirmando que simplesmente fazer com que o público saiba mais sobre determinado assunto dificilmente conduzirá este ou aquele indivíduo para uma mudança de crenças ou comportamentos. Christiano e Neimand (2017) discutem quatro fatores de risco embutidos na criação de campanhas de conscientização em saúde, esquematizados a partir dos estudos do marketing: alcançar a audiência errada, não direcionar a nenhuma ação específica, causar efeitos colaterais negativos e/ou gerar controvérsia, podendo esta ser ou não ancorada em diferenças político-partidárias.

Em seu artigo apresentando a disciplina de “comunicação de interesse público”, as pesquisadoras afirmam que, para superá-los, é necessário “se utilizar da ciência comportamental para criar campanhas com mensagens claras e chamadas para a ação concretas direcionadas ao público certo e que resultem em mudanças de comportamento de longa duração” (CHRISTIANO e NEIMAND, 2017). 

Nessa mesma linha de análise da efetividade de campanhas de engajamento público em assuntos de saúde global, Campbell e Rudan (2020) identificam a falta de a) mais pesquisa sobre a determinação do conteúdo da mensagem a ser disseminada, b) pesquisa formal sobre o que é efetivo na transmissão de mensagens de vídeo para saúde global e c) de métricas que permitam rastrear o impacto de tais campanhas, em especial através das redes sociais. Sem maior aprofundamento teórico nestes campos, segundo os autores, é impossível determinar  um parâmetro de sucesso para alcance, engajamento e mobilização do público. 

Para além da necessidade de pesquisa mais aprofundada e de uma boa definição do seu público-alvo para garantir a eficácia de campanhas de conscientização em saúde, Christiano e Neimand destacam ainda a necessidade de se desenvolver uma teoria de mudança acionável e a importância de se utilizar o meio correto para comunicação. Explorando a questão do desenvolvimento de uma teoria de mudança dentro do campo da saúde, vale ressaltar que a identificação de oportunidades para o desenvolvimento de e engajamento com projetos sobre o tema em questão representa uma das premissas básicas da ação pública, a saber a crença de que os cidadãos têm capacidade de contribuir para a consolidação de políticas públicas.

Finalmente, um ponto-chave na discussão sobre campanhas de conscientização em saúde é a dificuldade em se mensurar o impacto real de tais empreitadas. Não há uma relação direta entre a mensagem enviada e a reação pública que ela gera. Da mesma forma, por vezes é difícil afirmar que uma resposta do público decorre diretamente da mensagem ou campanha X ou Y. Assim, é sempre possível que uma determinada ação que demanda esforço xis esteja tendo retorno de engajamento de apenas meio xis. Qual será, então, a efetividade da PAHO estabelecer uma agenda anual de conscientização organizada em torno de objetivos de desenvolvimento sustentável quando, na realidade, toda essa lógica de mobilização passará despercebida pelo grande público?

Referências

CAMPBELL, Iain H; RUDAN, Igor. Effective approaches to public engagement with global health topics. Journal Of Global Health, [S.L.], v. 10, n. 1, 29 fev. 2020. International Global Health Society. http://dx.doi.org/10.7189/jogh.10.010901.

CHRISTIANO, Ann; NEIMAND, Annie. Stop Raising Awareness Already. Stanford Social Innovation Review, Palo Alto, maio 2017. Disponível em: https://ssir.org/articles/entry/stop_raising_awareness_already. Acesso em: 14 nov. 2021.

COHEN, Emma Rm; MASUM, Hassan; BERNDTSON, Kathryn; SAUNDERS, Vicki; HADFIELD, Tom; PANJWANI, Dilzayn; PERSAD, Deepa L; MINHAS, Gunjeet s; DAAR, Abdallah s; A SINGH, Jerome. Public engagement on global health challenges. Bmc Public Health, [S.L.], v. 8, n. 1, p. 8-168, 20 maio 2008. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2458-8-168.

INTERNATIONAL WOMEN’S DAY. There are many opportunities to educate and raise awareness about global health issues. Disponível em: https://www.internationalwomensday.com/Missions/15551/There-are-many-opportunities-to-educate-and-raise-awareness-about-global-health-issues. Acesso em: 14 nov. 2021.

LAWLOR, Brian. The local and global imperative to raise public awareness and knowledge about dementia. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, [S.L.], v. 76, n. 11, p. 729-730, nov. 2018. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/0004-282×20180118.

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