Por definição, as doenças reumáticas pertencem ao grupo de diferentes doenças que acometem o aparelho locomotor, como ossos, articulações (popularmente conhecidas como “juntas”), cartilagens, músculos, tendões e ligamentos. Também, podem acometer rins, olhos, intestino e pele.1São mais de 120 doenças com essa classificação e, no Brasil, mais de 15 milhões de pessoas possuem alguma dessas doenças.2
Dentre estas doenças, existem as que são mais comuns com o avanço da idade, como a chamada artrose, e também, as de origem autoimune, sendo a artrite reumatoide um clássico exemplo, que pode demonstrar sinais no final da adolescência, ou começo da vida adulta. Muitas outras doenças conhecidas são consideradas reumáticas: fibromialgia, gota, lúpus, bursites e espondiloartrites.3
As doenças reumáticas, em sua maioria, não possuem cura. Tratam-se de doenças crônicas, que precisam ser controladas para manter a qualidade de vida de seus portadores. Um aspecto crucial para que isso ocorra é o diagnóstico precoce, para evitar debilitações.
Porém, ao se analisar dados referentes a essas doenças, percebe-se que este diagnóstico vem, na maioria das vezes, tardiamente. Dados de um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMU-USP)2 apontam que, em 2014, as doenças reumáticas foram maioria nas concessões de benefícios da Previdência Social, com 19% dos auxílios-doenças e 13,15% das aposentadorias por invalidez.
Há várias causas que podem explicar esse atraso de diagnóstico, como as particularidades fisiológicas de manifestação dessas doenças e a falta de conhecimento sobre elas. Porém, há duas causas pontuais válidas que, com toda certeza, implicam no diagnóstico.
Primeiramente, a mais pontual, é a falta de profissionais na área, no Brasil e em outras partes do mundo. Um caso que chama atenção é o da África Subsaariana: segundo dados de uma pesquisa, existem menos de 20 reumatologistas para atender uma população de mais de 800 milhões. Movendo mais para o leste e chegando na Índia, a situação também é preocupante, com em torno de 100 reumatologistas para atender uma população de 1.1 bilhão de pessoas, sendo que, acredita-se que dessas, 5 milhões sofrem com alguma doença reumática.4
No Brasil, sofremos com o mesmo problema. Segundo dados divulgados na última Demografia Médica no Brasil, em 2020, contamos com 2.727 reumatologistas titulados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Isto representa apenas 1% (aproximadamente) de todos os médicos que atuam no Brasil.5
Segundamente, outro fator que influencia a dificuldade de diagnósticos deste tipo de doença, é um fenômeno chamado de superespecialização da saúde. Em outras palavras: falta de vínculo e conversação entre as especialidades médicas.
As doenças reumáticas são muitas vezes confundidas com dores normais na coluna e extremidades do corpo. Isto leva o paciente a recorrer diretamente a um ortopedista, responsável por cuidar do sistema locomotor. Ou também, quando o reumatismo acomete órgãos específicos como citado no começo, é procurado um médico do sistema com sintomas.
Esta constante especificação de sistemas do corpo humano, que entrou na formação médica brasileira a partir do século XX, 6com influência do sistema estadunidense, foca somente em atuação hospitalar, sem a visão integral da história de uma dada doença7. Olhar somente para células, órgãos e sistemas contribui para a maior fragmentação dos serviços de saúde, principalmente das redes privadas de plano de saúde, que vem atuando com a verticalização de suas próprias redes, com comercialização de planos hospitalares, pode ser extremamente prejudicial.8
Passados estes dois obstáculos, os diagnósticos de doenças reumáticas serão de mais fácil acesso, ao garantir médicos suficientes e a integralidade. A qualidade de vida destes pacientes será, assim de fato, preservada.
BIBLIOGRAFIA
1 Cartilha do Ministério da Saúde em conjunto com a Sociedade Brasileira de Reumatologia. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/doencas_reumaticas.pdf>.
2 Passalini, Thaisa et Fuller, Ricardo. Public social security burden of musculoskeletal diseases in Brasil-Descriptive study. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, vol. 64, no .4, 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ramb/a/b3xV5vcv9t3zNg664RwJKCj/?lang=en>. Acesso em: 15 nov. 2021.
3 Veja Saúde: Você sabe mesmo quais são as doenças reumáticas? Disponível em: <https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/voce-sabe-mesmo-quais-sao-as-doencas-reumaticas/> . Acesso em 15 nov. 2021.
4 KUMAR, B. Global health inequities in rheumatology. Rheumatology, Oxford, v.56, Issue 1, p.4-5, 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.1093/rheumatology/kew064>. Acesso em: 15 nov. 2021.
5 Demografia Médica no Brasil 2020. Dados disponíveis em: <https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2020_9DEZ.pdf>.
6 Estadão: “Superespecialistas” não criam vínculo com os pacientes. Disponível em: <https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,superespecialistas-nao-criam-vinculo-com-os-pacientes-imp-,1072449>. Acesso em 15 nov. 2021.
7 Beltrammi, Daniel Gomes Monteiro e Reis, Ademar Arthur Chioro dos. A fragmentação dos sistemas universais de saúde e os hospitais como seus agentes e produtos. Saúde em Debate [online]. v. 43, n. spe5, pp. 94-103. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0103-11042019S508>. Acesso em: 15 nov. 2021.8 CREMESP: 14-Os riscos da verticalização. Disponível em:<https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=CentroDados&acao=livro&pg=36>.