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A pandemia da insônia, de Carolina Almeida Freitas

1 novembro 2021

A pandemia da insônia, de Carolina Almeida Freitas

A chegada do novo coronavírus afetou a vida de todos e de uma maneira intensa. Quando pensamos nas dinâmicas do dia a dia, é inegável o fato de que a pandemia causou um impacto de forma muito abrupta, em que de um dia para o outro nos vimos em uma realidade totalmente diferente, tendo de nos adaptarmos ao ambiente domiciliar para a realização de praticamente todas as tarefas necessárias do cotidiano. Enquanto as crianças não podiam mais ir às escolas, os adultos tinham de se virar com o trabalho, cuidados com os filhos, e tarefas domésticas, todas no mesmo ambiente.

A dificuldade para separar as tarefas do dia de maneira a otimizar o tempo se tornou muito presente, e da mesma forma, sem muitas exigências de horários, o que faz com que muitas pessoas estendam sua jornada de trabalho ao longo do dia, e encontraram-se tendo noites mal dormidas, apesar de poderem dormir por mais tempo, visto que as horas que se eram perdidas no caminho até o trabalho já não eram mais uma questão.¹ 

Estudos mostraram que de fato, durante o período de pandemia, houve um aumento nas horas dormidas, porém o estresse aumentou, já que novos desafios se tornaram evidentemente presentes, como a preocupação com familiares, frustrações com o isolamento social, privação de locais frequentados, entre muitos outros que surgiram com o fato das pessoas não poderem mais fazer o que antes fazia parte de sua rotina, e isso fez com que a qualidade do sono não acompanhasse o surgimento da possibilidade de dormir por mais tempo. Muitas pessoas com o passar dos dias em isolamento social, fechadas em suas casas, passaram a trocar o dia pela noite, e desenvolveram dificuldades para pegar no sono, a conhecida insônia.³

Nos últimos meses, o crescente número de pessoas vacinadas, e consequentemente a baixa no número de casos confirmados e de mortes diárias no Brasil, favoreceram a reabertura de grande parte dos comércios, e tornou possível para as empresas e escolas a retomada parcial dos trabalhos e estudos presenciais, porém ainda não em 100%, de forma que em alguns dias as pessoas ficam em casa, e em outros precisam ir até o local de trabalho ou escolas. Esse chamado “modelo de trabalho híbrido” pode também comprometer a qualidade do sono da população que é obrigada a o praticar, podendo potencializar os quadros de insônia, ou criá-los, para aqueles que não os possuíam. ¹

Os desafios encontrados pelas pessoas que agora se encontram neste modelo de trabalho mantêm-se os mesmos nos dias que estão em casa, mas no momento acrescidos do fato de que em alguns dias da semana precisam acordar cedo para irem até o local de trabalho, o que atrapalha o entendimento corporal sobre as atividades, já que não há uma rotina certa definida, intensificando os problemas da privação de sono. ³

Especialistas apontam que é preciso criar uma rotina para manter seu sono adequado, priorizando tarefas mais calmas, com menos tecnologias, e menos luminosidades nas últimas horas do dia, preparando os últimos momentos para a hora de ir dormir, sem agitar a mente e acabar tendo dificuldades para pegar no sono.¹ ³

É importante ressaltar que esse cenário de isolamento social, e quarentena em ambiente domiciliar no Brasil foi realizado e vivido por parte privilegiada da população que teve a possibilidade de realizar seus trabalhos remotamente com acesso a computadores e internet, de forma que não precisou se expor agressivamente aos perigos de contágio do vírus. Os problemas vivenciados no período de pandemia por essa grande parte da população que continuou trabalhando presencialmente, foram intensificados pela preocupação com o contágio, crianças em casa sem poderem ir às escolas, dificuldade de acesso a itens de higiene e prevenção do contágio, como boas máscaras e álcool em gel, e pelo grande espaçamento de horários de condução disponível, o que fez com que muitas pessoas demorassem ainda mais para chegar no trabalho e voltar para casa, estendendo assim a jornada de trabalho ⁴. Além disso, quando pensamos nos papéis sociais de gênero, podemos imaginar que o ambiente domiciliar é muito mais exigente para as mulheres, que são comumente as responsáveis pela alimentação da família, cuidados com as roupas, com as crianças, e com a limpeza e organização dos ambientes, sem contar com aquelas que tiveram que largar seu emprego para cuidar dos filhos comprometendo a renda familiar, e aquelas que viveram o período de isolamento morando com seu agressor.³ Portanto, pode-se concluir que a pandemia trouxe dificuldades e problemas de saúde mental para a vivência de todos aqueles que a levaram a sério, mas claro que em maior intensidade para muitos, fazendo com que a insônia e a baixa qualidade do sono da maior parte da população se tornasse uma realidade cotidiana. Cabe ao governo tentar minimizar os impactos da pandemia na vida das pessoas de forma a priorizar programas de proteção às famílias mais vulneráveis, e de apoio às mulheres, seja com fornecimento de suprimentos de alimentos e higiene, seja com auxílio financeiro.

Referências

  1. ALBUQUERQUE, Flávia. Modelo de trabalho híbrido pode piorar a qualidade do sono, diz pesquisador. CNN Brasil, 23 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/modelo-de-trabalho-hibrido-pode-piorar-a-qualidade-do-sono-diz-pesquisador/ 
  1. CRUZ, Cláudia. 1 ano de pandemia e o impacto sobre a vida das mulheres. Casa Fluminense, 11 de março de 2021. Disponível em: https://casafluminense.org.br/1-ano-de-pandemia-e-o-impacto-sobre-a-vida-das-mulheres/ 
  2. ROSSINI, Maria Clara. Qualidade do sono piorou durante a pandemia, dizem estudos. Superinteressante, 16 de junho de 2020. Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/qualidade-do-sono-piorou-durante-a-pandemia-dizem-estudos/ 
  1. STEVANIM, Luiz Felipe. Desigualdade Social e Econômica em tempos de Covid-19. FIOCRUZ, 13 de maio de 2020. Disponível em:  https://portal.fiocruz.br/noticia/desigualdade-social-e-economica-em-tempos-de-covid-19 
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