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A epidemia do tabagismo e a ameaça dos dispositivos eletrônicos, de Anna Beatriz Monteiro Vieira

8 outubro 2021

A epidemia do tabagismo e a ameaça dos dispositivos eletrônicos, de Anna Beatriz Monteiro Vieira

Há algumas décadas, o consumo de cigarros era extremamente presente na sociedade, sendo retratado em muitos filmes, comerciais e propagandas como um hábito positivo. De acordo com dados da revista Super Interessante, durante os anos 80, mais de 180 atores e diretores receberam uma comissão para incluir o cigarro nos filmes e, na década de 90, entre os 250 longa-metragens americanos mais populares, 87% deles mostrava alguém fumando. Entretanto, apesar de tal valorização, o cigarro impactava (e ainda impacta) de maneira direta, na ocorrência de diversas doenças e na morte de milhões de pessoas por ano. 

Quando a relação entre o consumo de tabaco e a ocorrência de doenças, como o câncer de pulmão, foi evidenciada e tornou-se claro que, em nome do bem-estar da população, era necessário combater o tabagismo, diversas medidas foram colocadas em prática. Um dos instrumentos de controle mais importantes a serem citados é o MPOWER, um plano previsto na Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), feito pela Organização Mundial da Saúde para reverter a epidemia do tabagismo. As medidas incentivadas pelo relatório atuam na monitoração do uso do tabaco e medidas preventivas; na proteção das pessoas da fumaça do tabaco; no oferecimento de ajuda para parar de fumar; no alerta sobre os perigos do tabaco; na aplicação de proibições de publicidade, na promoção e patrocínio e no aumento de impostos sobre o tabaco.

De acordo com o “WHO report on the global tobacco epidemic 2021: addressing new and emerging products”, houveram avanços significativos na luta contra o tabaco no mundo, podendo destacar que aproximadamente 5,3 bilhões de pessoas estão agora cobertas por pelo menos uma das medidas MPOWER – mais de quatro vezes a quantidade registrada em 2007. Além disso, ainda segundo o documento da OMS, mais de 50% de todos os países e metade da população mundial estão agora cobertos por pelo menos duas medidas MPOWER no mais alto nível de desempenho. Entretanto, o relatório também aponta que muitos países não estão tratando com a devida seriedade os novos produtos de nicotina e tabaco, que estão se tornando cada vez mais populares, sobretudo, entre os jovens. 

O relatório aborda, pela primeira vez, os dispositivos elétricos para fumar – como os cigarros eletrônicos, vaporizadores e cigarros de tabaco aquecido – e indica que tais produtos são bastante direcionados para crianças e adolescentes pelas indústrias que os produzem. A fim de atrair o público mais jovem, os fabricantes utilizam sabores e aromas agradáveis e se apoiam em alegações falsas de que tais dispositivos são menos nocivos para a saúde, quando comparados ao cigarro normal. 

Em vista disso, a Organização Mundial da Saúde demonstra, no documento, uma preocupação com o fato de que crianças que fazem uso de tais produtos estão mais suscetíveis a consumirem tabaco no futuro. Assim, o órgão recomenda que os governos regulamentem medidas para impedir que esses produtos sejam utilizados por não-fumantes e, com isso,  que não se tenha uma “renormalização” do tabagismo nas próximas gerações. 

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) não são seguros e possuem substâncias tóxicas, sendo a nicotina apenas uma delas. Nesse sentido, eles também podem causar doenças respiratórias, como o enfisema pulmonar, doenças cardiovasculares, dermatite e câncer. 

Nota-se, portanto, que apesar de muitos avanços terem sido alcançados no combate ao fumo ao longo das últimas décadas, a popularidade dos novos dispositivos está crescendo e é essencial que medidas sejam implementadas para combater o seu consumo. A fim de garantir que o tabagismo não se torne, novamente, um hábito comum na população, acredito que um papel ativo do governo seja necessário, tanto na propagação – por meio da atuação do Ministério da Saúde – dos reais impactos negativos dos dispositivos eletrônicos na saúde de seus usuários, quanto no aumento de impostos cobrados sobre tais produtos. Além disso, considerando o alcance dos influenciadores digitais, penso que seria extremamente interessante que o governo se aliasse a algumas personalidades conhecidas nas redes sociais para promover campanhas de conscientização e combate ao tabagismo.

Referências

OPAS. Organização Pan-Americana de Saúde. OMS relata progresso na luta contra epidemia de tabaco e destaca ameaça representada por novos produtos. Disponível em: 

OPAS. OMS relata progresso na luta contra epidemia de tabaco e destaca ameaça representada por novos produtos. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/27-7-2021-oms-relata-progresso-na-luta-contra-epidemia-tabaco-e-destaca-ameaca. Acesso em 05/10/21

Saúde Brasil. Mentiras e verdades sobre o cigarro eletrônico. Disponível em:

Saúde Brasil. Mentiras e verdades sobre o cigarro eletrônico. Disponível em: https://saudebrasil.saude.gov.br/eu-quero-parar-de-fumar/mentiras-e-verdades-sobre-o-cigarro-eletronico. Acesso em 05/10/21

Super Interessante. Ascensão e queda do tabaco. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/ascensao-e-queda-do-tabaco/. Acesso em: 05/10/21

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bianca de Oliveira
2 anos atrás

O texto enfatiza pontos muito relevantes sobre a relação do tabagismo com a sociedade, sobretudo à questões geracionais. Como apontado, houve uma mudança real da abodagem de cigarros pela mídia nas últimas décadas, e importantes mudanças na legislação brasileira contribuiram para frear o consumo de tabaco no país. Em 2000, por exemplo, foi proibido no Brasil a propaganda de produtos com tábaco (cigarros e outros) em grande mídias, e em outros departamentos, como por meio de merchandising (propagando indireta) em programas produzidos no país. Ainda, em 2011, uma nova série de medidas contra o tabagismo foram colocadas em prática, inspiradas ca CQCT. Resaltado no artigo 8 da Convenção-Quadro para o controle do Tabaco, não existem níveis seguros de exposição ao tabaco, e medidas eficazes são aquelas criam ambientes 100% livres de fumaça. Seguindo as recomendações, o Brasil promulgou a lei n° 12.546/2011 e o decreto n° 8.262/2014 que proibem o fumo de profutos derivados de tabaco em ambientes coletivos, sejam eles públicos ou privados. Extremamente relevante, contudo, é a questão de dispositvos eletronicos para fumar, como apontados no artigo. A anvisa abarca os DEFs na Lei Nacional Antifumo, mas seu uso contínuo entre os jovens mostra que ainda são necessárias medidas de concientização contra o produto, que muitas vezes são erroneamente propagandiados como menos danosos que o cigarro.

Pedro S. Priolli
2 anos atrás

Ótimo texto Anna! Importante notar como a normalização do uso do tabaco se tornou, em certo grau, um hábito cultural extremamente nocivo para a sociedade. Nesse contexto, o seu texto pode expor algumas das inciativas tomadas por diferentes órgãos em prol da diminuição desse consumo. Agregando à essas medidas, explicito que uma das indústrias que mais contribuiu para a glamourização desse consumo, a indústria do cinema (tal são os casos de filmes como Casablanca, Pulp Fiction, Todos os Homens do Presidente e etc.), vem demonstrando mudanças significativas na maneira como o consumo de tabaco é retratado, principalmente em obras infantis/juvenis. Essa mudança tomou rumos mais acentuados a partir da 3ª publicação do relatório sobre a exibição de cenas com cigarro em filmes de grande audiência, este indicava que, até 2014, o fumo aparece em 36% dos filmes liberados para menores de 18 anos, assim como em 44% de todas as produções de Hollywood. Sendo assim, mesmo com o apoio de gigantes do mercado como The Walt Disney Company (que se comprometeu em a partir de 2006 a não mais incluir cenas de consumo de tabaco em filmes para jovens e crianças nas produções da Pixar, Walt Disney, Lucasfilm e Marvel.), mudanças precisam continuar a acontecer por outros atores e setores para que possamos tomar hábitos mais saudáveis em relação ao fumo!

Tomás
2 anos atrás

Gostei muito do seu texto Anna! Acho importante apontar dois pontos que marcam a discussão para além do que você delineou. Primeiro que, assim como o cigarro antigamente um marcador de grupo social, algo que acrescentava a sua imagem, quase como um acessório – efeito esse construído principalmente pelas mídias como citado em seu texto -, os vaporizadores servem o mesmo propósito hoje em dia. Assim como outros colegas pontuaram aqui nos comentários, o hábito de fumar criou uma cultura (seja essa do tabagismo do cigarro ou suas várias outras expressões) que tem como uma de suas consequências um problema grave de saúde pública, mas que em sua raiz foi um movimento cultural e social – e talvez as ações governamentais que pudessem ir para além do escopo da saúde, desconstruindo essa cultura como o conceito social que é. Segundo, e talvez mais interessante, é a diferença na produção e consumo de propaganda hoje em dia sobre essa nova cultura de vaporizadores. Na época do nascimento do cigarro propagandas eram algo que se escutavam em rádios ou se viam em televisões – quem sabe um outdoor. Esse meio de propagação de conteúdo hoje já é razoavelmente regulado, principalmente no que convém a propagandas – ainda com seus muitos problemas como vemos hoje pelo tanto de informações falsas que esses transmitem. Mas hoje esses não ocupam mais o principal meio de transmissão em massa hoje, principalmente para o grupo etário que os vaporizadores estão se popularizando. Esse grupo consome quantidades gigantescas de conteúdo digital por aplicativos em seus celulares – onde propagandas vem disfarçadas como quaisquer outros tipos de conteúdo e onde o governo não tem presença no momento. Crianças e adolescentes hoje produzem e consomem seus próprios conteúdos que circulam vitalmente por essas redes, de maneiras não reguladas, adolescentes podem e gravam vídeos usando vaporizadores e intencionalmente ou não influenciam outros a usarem também. Isso marca uma diferença geracional e cultural exacerbada entre o crescimento do cigarro e o atual dos vaporizadores, o desafio se renovou e o Estado não acompanhou ou parece estar acompanhando os novos meios de comunicação onde essa crise poderia ser combatida.

Gabriel Alegria dos S. Reis
2 anos atrás

Muito importante o texto Anna, a gente não pode subestimar o impacto que o tabagismo tem sobre a saúde de milhões anualmente. Acho que cabe pontuar duas coisas, que em muitos sentidos vão em encontro do seu texto. O primeiro é o papel do Estado. O Brasil é um caso de sucesso na redução do tabagismo a partir da década de 1990, com uma ampla campanha pública de caráter federal e local, que demonstra com clareza a relevância do governo para o desenvolvimento de medidas efetivas na redução do uso de produtos de tabaco. Em segundo lugar, é importante notar como a batalha contra o tabagismo é uma intensamente contra uma ampla e rica indústria, que tem feito um intenso contra-ataque há décadas. Capaz de se facilmente se reinventar e aparecer sob novas faces, é essencial estar constantemente atento para a forma como o tabagismo reaparece entre a sociedade – mais recentemente, por meio dos cigarros eletrônicos.

Lucas Inafuku
2 anos atrás

Excelente Texto!
Uma analogia importante a ser ressaltada é o consumo de cigarros e similares com o movimento antivacina. Algumas escolhas pessoais acabam por extrapolar o individual e pode vir a acarretar danos ao coletivo. O ato de fumar não apenas prejudica a saúde de seu consumidor como também, das pessoas ao seu entorno que, involuntariamente, acabam por inalar a fumaça expirada, tornando-as fumantes passivos. O momento pandêmico atual nos faz refletir sobre o conceito de liberdade, que termina quando começa o do próximo, sendo assim a vacinação deve ser aderida por todos, pois sua negação pode acarretar em prejuízo para o próximo.
Além disso, levou-se um certo tempo para a descoberta dos malefícios do cigarro já que naquela época era algo bem novo. Contudo, devido às semelhanças para com os cigarros eletrônicos, não deveria haver um atraso para a divulgação e políticas para desestimular seu uso.