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O comércio internacional à luz da saúde global, de Mariana Pinheiro Marques

27 agosto 2021

O comércio internacional à luz da saúde global, de Mariana Pinheiro Marques

A professora Deisy Ventura, na primeira aula do curso, apontou como a noção de Saúde Global se ramifica por diversas áreas, podendo ser entendida como (i) política externa; (ii) segurança; (iii) ética; (iv)trade(v) saúde pública; e (vi) bem público global. Com isso em mente, pretendo, ao longo deste post, demonstrar como a Saúde Global se mostra presente na área de comércio internacional, impactando tanto a formulação da política doméstica de um país como a formulação da política externa por este.


A noção de Saúde Global surge em detrimento do conceito de Saúde Internacional. Ainda que este não tenha desaparecido completamente do debate, o termo Saúde Global ganha espaço com a expansão do processo de globalização. Enquanto a referência à expressão internacional envolve principalmente a relação entre Estados para criar uma rede de cooperação intergovernamental em matéria de saúde (BIRN et. al, 2017), a utilização do término global complexifica a discussão.

Ao empregar o termo complexificação, me refiro à ampliação de atores que passam a atuar na área de saúde no âmbito internacional. Com o avanço da globalização, Organizações Internacionais (OIs) e Não-Governamentais (ONGs), multinacionais, sociedade civil etc. assumem posição ativa no debate desta matéria. Assim, o termo saúde ganha nova faceta, assumindo o caráter de Saúde Global, cujo foco reside em garantir acesso à saúde de qualidade no âmbito global, visando à redução de disparidades entre países e à proteção contra ameaças transfronteiriças (ibidem). Ou seja, entende-se que “o processo de globalização é o motor da evolução do termo ‘Saúde Global’” (FORTES e RIBEIRO, 2014, p. 369).

Considerando o papel que as Organizações Internacionais assumem nesse novo panorama global, procedo com o estudo do arcabouço legal da Organização Mundial do Comércio (OMC), em especial o Artigo XX(b) do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (GATT-94) e o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Acordo SPS). O Artigo XX do GATT-94 dispõe sobre as possibilidades que um Estado possui de adotar medidas de exceção ao livre comércio, entre as quais destaco a alínea (b) necessary to protect human, animal or plant life or health.

O Acordo SPS, por sua vez, prevê a possibilidade da implementação de medidas sanitárias e fitossanitárias com o objetivo de “[…] proteger a vida e saúde humana e animal e a sanidade vegetal por meio de normas, procedimentos e controles aplicáveis ao consumo internacional de produtos agrícolas, de forma a assegurar a inocuidade e a qualidade dos alimentos consumidos internamente e exportados, bem como a proteção do território nacional contra pragas e doenças” (MRE).

Fundamentando-se no Artigo XX(b) do GATT-94 e no Acordo SPS e, dessa forma, no argumento de proteção da saúde e da vida das pessoas, os Membros da OMC poderão adotar medidas de restrição ao livre comércio sem incorrer no risco de violar suas obrigações internacionais, desde que estas não sejam aplicadas de forma arbitrária ou discriminatória nem constituam restrição disfarçada ao comércio. Dessa maneira, a existência destes dispositivos demonstra a busca da OMC em “[…] aliar o seu objetivo precípuo de liberalização do comércio ao direito dos Estados de implementar políticas de proteção a interesses sensíveis da população, como a saúde humana” (BONNOMI, 2020, p. 3).

Voltando ao primeiro parágrafo deste post, retomo a ideia que a professora Deisy Ventura expôs acerca da ramificação da Saúde Global, limitando-me à análise dos aspectos de política externa e trade. Sob a lógica da política externa, e considerando o arcabouço legal da OMC, um país adotará políticas sanitárias de restrição ao comércio quando julgar necessário tendo em vista à garantia da saúde da população nacional. No que diz respeito ao trade, uma nação, ao promover medidas visando à promoção de um patamar adequado de saúde, possui menor chance de tornar-se alvo de normas sanitárias, o que poderá contribuir para a exportação de produtos nacionais e ao desenvolvimento econômico do país.

Para concluir, destaco que não me propus a entrar no mérito de como tais medidas podem ser empregadas com um viés protecionista disfarçada de proteção à população. Aqui, meu intuito foi discutir o aspecto multidisciplinar e capilar do princípio da Saúde Global. A Organização Mundial do Comércio, como principal fórum de negociações internacionais em matéria de comércio exterior, ao prever as possibilidades do Artigo XX(b) do GATT-94 e do Acordo SPS consolida o conceito de Saúde Global como fator a ser observado no comércio internacional e, retomando o disposto por Birn et. al (2017), destaca a importância da proteção contra ameaças transfronteiriças (a exemplo de pragas agrícolas e doenças).

Entendo, portanto, que a presença dos dispositivos mencionados neste post corrobora com a visão interdisciplinar da matéria de Saúde Global, demonstrando como esta influencia o comércio internacional e as políticas adotadas pelos Estados tanto interna quanto externamente.

BIBLIOGRAFIA
BIRN, Anne-Emanuelle; PILLAY, Yogan; HOLTZ, Timothy H. Textbook of global health. Oxford University Press, 2017.
BONNOMI, Natália Paulino. BARREIRAS SANITÁRIAS E PROTECIONISMO NO CONTEXTO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Revista Brasileira de Direito Internacional, v. 6, n. 2, p. 1-17, 2020.
BRASIL. Barreiras Sanitárias e Fitossanitárias. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://antigo.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15559-barreiras-sanitarias-e-fitossanitarias>. Acesso em: 23 de agosto de 2021.
FORTES, Paulo Antônio de Carvalho; RIBEIRO, Helena. Saúde Global em tempos de globalização. Saúde e Sociedade, v. 23, p. 366-375, 2014.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). The General Agreement on Tariffs and Trade (GATT 1947). Disponível em: <https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/gatt47_02_e.htm#articleXXXVIII>. Acesso em: 23 de agosto de 2021.

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Patrick Eugster
2 anos atrás

Enjoyed to read this article on a highly relevant topic! The point that stands out the most to me are the global problems caused by protectionist trade behavior allover the world. Even though global trade can lead to certain social and problems, there are many benefits for the group of countries involved in trading with each other (Gallardo, 2005). Especially when it comes to handling a pandemic it is necessary to work across borders and help other countries out by sharing innovations.
Gallardo, J. L. (2005). Comparative advantage, economic growth and free trade. Revista de Economia Contemporânea9, 313-335.