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Veneno no prato: o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, de Daniele da Silva Dilly

15 novembro 2021

Veneno no prato: o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, de Daniele da Silva Dilly

Os agrotóxicos são produtos amplamente utilizados na agricultura moderna para combater condições e organismos indesejados na lavoura. São largamente utilizados para correção do solo, combate à insetos, larvas e fungos, entre outros. Porém, eles nem sempre tiveram essa finalidade. Essas substâncias surgiram no contexto da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, como armas químicas. A primeira delas a ser adaptada para as lavouras e amplamente utilizada na agricultura foi o DDT, um poderoso inseticida que se mostrou bastante eficiente para o aumento da produtividade no campo. Somente em 1962, com a publicação de “Silent Spring”, de Rachel Carson, é que se ampliaram os debates acerca da periculosidade para a saúde humana da utilização desses produtos na agricultura. Depois de comprovada a bioacumulação do DDT no corpo humano, o produto passou a ser proibido. Entretanto, a prática de utilização de produtos químicos para o aumento da produtividade permaneceu e, atualmente, é indispensável ao modelo produtivo vigente. 

A lógica que prevalece para a adoção de uma substância química na lavoura, em geral, tem sido a seguinte: um novo composto é descoberto e tem sua eficácia comprovada; após o cumprimento de quesitos burocráticos, passa a ser amplamente utilizado por agricultores; começam a surgir casos intoxicação e efeitos adversos de médio e longo prazo são notados em trabalhadores rurais e nas populações próximas às lavouras; testes mais profundos são realizados e efeitos toxicológicos e cancerígenos do composto são descobertos; por fim, o produto é proibido. Diversas substâncias enquadram-se nessa descrição, o Endosulfan e o Lindano, por exemplo, foram amplamente utilizados na agricultura brasileira e, depois de comprovado seu potencial cancerígeno e sua relação com distúrbios hormonais e neurológicos, foram suspensos em 2006 e 2013, respectivamente. Porém, até que a utilização de um produto seja suspensa, quantas pessoas não têm sua saúde comprometida? Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) cerca de  70 mil intoxicações que evoluem para óbito e 7 milhões de casos de doenças agudas e crônicas são registrados em países em desenvolvimento em decorrência do uso de agrotóxicos. 

As discussões internacionais têm evoluído para que sejam adotadas medidas mais restritivas para a liberação de compostos químicos na agricultura, através de uma regulamentação mais forte e unificada globalmente, principalmente devido ao impacto que o uso indiscriminado de substâncias tóxicas tem sobre a saúde pública. Porém, na contramão da tendência de diminuição do uso de agrotóxicos, o atual governo brasileiro tem fomentado a ampliação do uso dessas substâncias. Desde o início do governo Bolsonaro, foram aprovados 945 novos agrotóxicos, alguns com substâncias que estão proibidas na União Europeia há anos, além da implementação de uma política de redução da classificação de grau de toxicidade de diversos produtos para aumentar a quantidade permitida para uso. Segundo a professora de geografia da USP Larissa Bombardi,  “Cerca de um terço dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos na UE”. Porém, ao invés desses produtos pararem de ser produzidos pelas empresas europeias, eles acabaram sendo absorvidos pelas cadeias produtivas dos países países em desenvolvimento. Grande parte dos agrotóxicos que chegam no Brasil são fabricados na Europa, mesmo tendo sua utilização proibida lá. E o mais interessante: essas substâncias são utilizadas para produzir alimentos que são exportados para os países europeus, o que demonstra a grande ineficiência da atual política de regulação de agrotóxicos.

O fato é que estamos consumindo uma grande quantidade de substâncias cujas consequências para o organismo ainda não são completamente conhecidas, e podem ser catastróficas. Atualmente, o agrotóxico mais utilizado no mundo é o Glifosato. Trata-se de uma substância com alto poder herbicida (elimina todo tipo de planta), que passou a ser utilizado quando, a partir da modificação genética, as sementes das lavouras tornaram-se resistentes a ele. Ou seja, foram introduzidas plantas transgênicas na lavoura para que fosse possível a utilização de um produto que matasse todas as ervas daninhas ao redor, sem prejudicar o cultivo. O Glifosato é amplamente utilizado em todos tipos de lavouras, para produção de trigo, milho, soja, cana, frutas, pastagens etc. Porém, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) da ONU considera que o glifosato é uma substância potencialmente cancerígena e estudos mais amplos estão sendo realizados para verificar a segurança da utilização do produto em uma escala tão grandiosa quanto a atual. O Glifosato é o agrotóxico mais utilizado no Brasil, nos EUA e na União Europeia. Porém, no Brasil, os limites são ainda mais extrapolados. Larissa Bombardi explica que “Na soja, a UE permite até 0,05 miligramas de resíduos de glifosato por quilo. No Brasil, são permitidos 10 miligramas por quilo, o que corresponde a quantidade 200 vezes maior. […] e na água potável a quantidade de resíduos de glifosato é até 5 mil vezes maior que na Europa”. Certamente não levará muito tempo para que o Glifosato tenha seu uso descontinuado, porém, com certeza veremos a consequência da sua utilização, e de tantos outros venenos, refletida na saúde da população mundial.


Bibliografia

D. S. Ribeiro & T. S. Pereira “O agrotóxico nosso de cada dia”. Vittalle 28 (2016) 14-26. Universidade Federal do Pará/ UFPA. Disponível em:

http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/7152/ARTIGO%20VITTA.pdf?sequence=1

Agrotóxico (24/08/2021). Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: https://www.inca.gov.br/exposicao-no-trabalho-e-no-ambiente/agrotoxicos

RUETER, Gero. “A dupla moral europeia na questão dos agrotóxicos”. DW (15/04/2021). Disponível em: https://p.dw.com/p/3rwcX

PEDLOWSKI, Pedro. “Agenda tóxica: Governo Bolsonaro teve liberação recorde de 945 agrotóxicos”. Rede Brasil Atual. (01/01/2021). Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2021/01/agenda-toxica-governo-bolsonaro-teve-liberacao-recorde-de-945-agrotoxicos/

GRIGORI, Pedro. “Multinacionais da Europa vendem no Brasil toneladas de agrotóxicos ‘altamente perigosos’ proibidos em seus países”. Repórter Brasil. (18/06/2020). Disponível em:

https://reporterbrasil.org.br/2020/06/multinacionais-da-europa-vendem-no-brasil-toneladas-de-agrotoxicos-altamente-perigosos-proibidos-em-seus-paises/

TOOGE, Rikardy. “Quais são e para que servem os ingredientes dos agrotóxicos mais vendidos”. G1 Notícias. (07/10/2019). Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2019/10/07/quais-sao-e-para-que-servem-os-principais-ingredientes-dos-agrotoxicos-mais-vendidos.ghtml

CEE-FIOCRUZ. “Entenda o que é Glifosato: o agrotóxico mais vendido do Mundo”. (06/06/2019). Disponível em: http://cee.fiocruz.br/?q=node/987

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Ana Beatriz Pintar
2 anos atrás

É muito assustador perceber a dinâmica do capitalismo global operando “nos bastidores” também nessa questão dos agrotóxicos. Como você mesma colocou, Dani, esses agrotóxicos são proibidos na Europa mas produzidos lá, vendidos para cá, para produzirmos alimentos que serão exportados para lá. De qualquer forma, em ambos os lados do oceano, quem mais prejudica são as pessoas – seja como consumidoras, ou como aplicadoras dos agrotóxicos. Em contrapartida, quem mais se beneficia são as grandes corporações: as que produzem os agrotóxicos, as que importam, as que lucram com o mercado de commodities. Mais um exemplo de como precisamos mudar radicalmente nossos sistemas de produção e consumo para colocar as pessoas no centro.