A pandemia de COVID-19 suscitou mudanças profundas na sociedade de modo geral. O isolamento social imposto pelas medidas sanitárias forçou a reinvenção (ou adaptação) de diversos contextos ao modo digital. Uma modalidade que vinha em franca expansão já de anos passados e que foi impulsionada pelas medidas de isolamento social foi a telemedicina.
Unindo a medicina tradicional ao prefixo “tele” (oriunda de palavra grega que significa distância”), a telemedicina é quase que autoexplicativa, na sua etimologia. Segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM 1.643/02 (de 2002, reiterada em 2019) em seu Artigo 1º, a telemedicina é definida como sendo o “exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde”.
Dos telefones fixos a celulares, computadores e tablets – hoje potencializados pela internet – agindo como um meio de comunicação extremamente ágil e eficaz, a troca de informações e a possibilidade de diferentes e melhores atendimentos, se faz presente. No Brasil a emissão de laudos de exames já é realidade há algum tempo, contudo, apesar da prática ser regulamentada em diversos países há mais de duas décadas, é notável o atraso do país, seja por suas lentas transições e modernização de setores – sobretudo de comunicação – o que fez com que a telemedicina fosse um conceito muito pouco explorado ou buscado, como opção viável. Outro entrave também é representado pelo fato de que a prática não era autorizada para todas as áreas da saúde (a Lei nº 13.989/2020 autorizou a prática geral, ao menos enquanto durar a pandemia).
A pandemia do COVID-19 acabou por catapultar a prática da modalidade, não só no país, como em escala global, uma vez que o contato presencial passou a oferecer riscos altíssimos. Puxando pelos exemplos de países como França e Reino Unido que aumentaram exponencialmente as consultas virtuais; os Estados Unidos que retiraram restrições à prática ou mesmo a China, em que a abordagem contribuiu para evitar um possível colapso do sistema de saúde (ao permitir pronto atendimento para doenças mais leves, evitando aglomerações e possíveis aumentos de contágio), mostram como a prática se difundiu. Desta forma, os investimentos em telemedicina cresceram e as empresas passaram a buscar mais soluções, com uso extensivo da tecnologia.
O Doutor Claudio Lottenberg (mestre e doutor em oftalmologia e presidente do Hospital Israelita Albert Einstein) se manifestou a respeito, em um evento (com transmissão online) realizado no final de Agosto, na cidade de Araraquara (SP): ”No cenário da pandemia, ela foi utilizada dentro de uma perspectiva muito rápida, muito ágil e ela ajudou muito, porque foi responsável por levar o atendimento para dentro da casa de cada cidadão, por meio dos recursos de telefonia celular”.
Ao que tudo indica, esse “novo” modelo de medicina tem tudo para ficar, ainda mais com o avanço das tecnologias 5G. Ao expor algumas “fraquezas” dos sistemas de saúde, a pandemia acabou reforçando o empenho para o avanço do setor tecnológico. Os estudos em inteligência artificial potencializados pelo 5G se mostram como uma das melhorias mais promissoras, pois a tomada de decisão advinda da identificação de padrões em bancos de dados gigantescos, tornariam mais rápidas e eficazes as respostas às crises. A capacidade de desenvolver monitoramentos remotos acessíveis, modernizar treinamentos mediante realidades virtuais, promover atendimentos simples e seguros evitando lotações em hospitais, reservando espaço e atenção para casos mais graves, crônicos, que demandem um acompanhamento intensivo, são de fato evoluções muito positivas, se isto resultar de fato em uma possibilidade de tornar mais acessível e prático o direito à saúde.
Há um ponto contrastante, contudo, em relação ao futuro e às facilidades oferecidas pela telemedicina. Abre-se aí o questionamento a respeito do quão inclusiva consegue ser a telemedicina, que demanda uma reforma estrutural no modo em que se organiza a saúde de um país, para comportar o modelo híbrido que se complementa: presencial e à distância (até porque cada uma das modalidades tem seus prós e contras). Principalmente em países que ainda engatinham na disseminação de informações por meios seguros (protegendo os dados sensíveis que são compartilhados, dos pacientes) e de acesso da população com menos recursos ao universo digital. Vimos ao longo dos últimos anos exemplos de evolução de práticas modernas nos países mais ricos, enquanto há regiões em que ainda se luta para desenvolver sistemas de saneamento básico.
Na teoria, sistemas que consigam combinar os avanços tecnológicos para mobilizar melhor os recursos e promover um maior bem estar geral, são mais que bem-vindos. Mas a história nos mostra que nem sempre esta é a realidade e que a desigualdade exacerba amplamente as separações que a feroz configuração do sistema global nos impõe.
Referências
PORTAL TELEMEDICINA. O que é Telemedicina e como funciona?
Disponível em: https://portaltelemedicina.com.br/blog/telemedicina-o-que-e-e-como-funciona
DANTAS, Patrícia. O exercício da telemedicina e a necessidade de inscrição suplementar para médicos: despacho 270/21 DO CFM.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/350926/o-exercicio-da-telemedicina-despacho-270-2021-do-cfm
TAVARES, Mariza. Por que temos que avançar na telemedicina depois da pandemia.
INFOHEALTH. Telemedicina no Brasil: como funciona a prática?
Disponível em: https://infohealth.com.br/2020/04/27/telemedicina-no-brasil-como-funciona-a-regulamentacao/
DORNELES, Letícia e DORNELLES, Lorenzo. Pandemia coloca a telemedicina como a grande inovação do setor.
Disponível em: https://ndmais.com.br/saude/andemia-coloca-a-telemedicina-como-a-grande-inovacao-do-setor/
JORNAL NACIONAL. Telemedicina leva atendimento médico para lugares de difícil acesso.
Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/07/telemedicina-leva-atendimento-medico-para-lugares-de-dificil-acesso.html
JORNAL NACIONAL. Telemedicina é impulsionada pela necessidade do distanciamento social.
Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/07/31/telemedicina-e-impulsionada-pela-necessidade-do-distanciamento-social.ghtml
NEUMAM, Camila. Telemedicina continuará a se expandir após a pandemia, diz especialista americano.
Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/telemedicina-continuara-a-se-expandir-apos-a-pandemia-diz-especialista-americano/
RISSE, Nadja. Como a tecnologia 5G pode melhorar a nossa saúde.
Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/como-a-tecnologia-5g-pode-melhorar-a-nossa-saude/
VALENTI, Graziela. ‘Telemedicina é oportunidade real de transformar saúde em direito social’
Disponível em: https://exame.com/exame-in/telemedicina-e-oportunidade-real-de-transforma-saude-em-direito-social/
EPTV1. Palestra do 6º Agenda Araraquara discute o futuro da saúde após a pandemia e destaca telemedicina
RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Nº 1.643, DE 7 DE AGOSTO DE 2002 (acessada pelo portal da ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior)
Disponível em: https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Resolucao-CFM-1643-2002-08-07.pdf
RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Nº 2.228, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2019 (acessada pelo portal da ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior)
Disponível em: https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Resolucao-CFM-2228-2018-02-26.pdf
Muito bom o texto, Guilherme. Acredito que você conseguiu trazer alguns pontos positivos sobre a telemedicina, mas sem esquecer dos problemas a serem resolvidos. Particularmente, utilizei o serviço durante a pandemia algumas vezes, e em grande parte deles o problema foi resolvido rapidamente, sem precisar me deslocar e, no contexto atual, correr um risco maior de me contaminar com o vírus da covid-19. Acho que se a “reforma estrutural” que você bem comenta no texto ocorrer e viabilizar ao máximo a prática da telemedicina, temos muito a ganhar!
Parabéns!
Ótimo texto, Guilherme! Acredito que a telemedicina pode ser muito positiva, mas como apontado, é importante não esquecer que ainda vivemos em meio a muita desigualdade e é muito importante buscar que este não seja mais uma forma de evidenciar esses contrastes.
Excelente texto e discussão! Como você disse, a pandemia contribuiu para que uma modalidade de atendimento primário à saúde se expandisse. Acredito que esse olhar social sobre inclusão e perspectivas de regulamentação do setor para que não haja uma precarização do serviço devem ser pautas importantes a serem discutidas em breve.
Muito interessante o tema, Guilherme! A pandemia fez vários campos se reinventaram, e me surpreendeu ver médicos fazendo tele consultas. Em algumas especialidades, já havia visto essa modalidade de atendimento, como na psiquiatria, mas outras me surpreenderam. Passei por uma situação de teleconsulta já que tenho asma e estava extremamente apreensiva em ir pro hospital desde março do ano passado. Tive uma crise forte e fiquei apavorada de ir ao hospital, e fui atendida pela primeira vez por tele consulta, pelo pneumologista.
Com certeza alguns procedimentos e diagnósticos precisam de contato com físico, mas fico curiosa para saber qual o futuro da telemedicina. Também é importante reforçar o final de seu texto, sobre a desigualdade, esperamos que o avanço da modalidade “à distância” da medicina não aumente ainda mais o abismo da desigualdade, mas o prognóstico nesse sentido não me parece muito positivo…..