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“Uma pandemia sobre uma pandemia: racismo e COVID-19 em pessoas negras”, de Dâmares Bernardino Pereira

16 novembro 2021

“Uma pandemia sobre uma pandemia: racismo e COVID-19 em pessoas negras”, de Dâmares Bernardino Pereira

Foi como intitulou o professor universitário Cato T. Laurencin, Mestre pela Harvard Medical School, em seu artigo divulgado em julho de 2020 sobre a questão da pandemia e seus efeitos mais agravantes incididos sobre a população negra. Apesar de ter sido publicado ainda no início do surto do coronavírus, especialistas não apenas da área da saúde, mas também aqueles que se debruçam no estudo sobre diferenças socias e raciais, já alertavam para uma ruptura ainda maior do tecido social com o agravamento desta crise. Exemplo disso foi Cida Bento, diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), que em abril do mesmo ano expôs numa transmissão online sua preocupação acerca do impacto do coronavírus sobre a população negra, tendo em vista que sua ampla maioria não conseguiria trabalhar remotamente e, acrescido a isso, são as mais vulneráveis no acesso à saúde de qualidade. Logo, para além de uma estrutura que já perpetuava a discriminação racial e social, o vírus trouxe à tona o escancaramento e, posteriormente, uma maior polarização, dificultando a já complexa possibilidade de ascensão social.

Ainda relacionado sobre este mesmo tema, Isaac Yeboah Addo, pesquisador da UNSW Sydney (Universidade de Nova Gales do Sul, Austrália), afirmou estarmos vivendo uma “dupla pandemia”, uma vez que o a discriminação racial impunha um impacto excessivamente maior a tal problemática. Ao se debruçar sobre a interseccionalidade entre o advento do Coronavírus e seu efeito acentuado sobre a população negra, há inúmeras fontes que advertem tanto às más notificações dos pacientes mais afetados, uma vez que não há inclusão de relevantes informações tais como cor e CEP (tendo em vista uma análise aprofundada sobre as camadas raciais e socias, mais atingidas pela pandemia); quanto ao mal atendimento ofertado nos hospitais, havendo numerosos relatos de pacientes negros que alegam não terem sido tratados prontamente, e de forma adequada. Nesse sentido, o tratamento inapropriado – ou em casos mais chocantes, o não tratamento da doença – acarretou em mortes não apenas de coronavírus, mais de complicações médicas decorrentes do vírus, que poderiam ter sido no mínimo verificadas pela equipe médica responsável.

Desta forma, a sobrecarga de pacientes internados por Covid-19 nos hospitais acarretou numa sobrecarga também daqueles com outras comorbidades, que já atendiam consultas médicas regularmente para o tratamento de doenças crônicas. Para além disso, o que se observou no Brasil foi um aumento exponencial no número de suicídios, aumento da

ansiedade e depressão, principalmente entre os jovens. Em uma crônica nominada “‘Jovem demais, negro demais…’: violência e suicídio na USP”, uma funcionária relata como é o dia- a-dia dos estudantes da universidade que residem no CRUSP – Conjunto Residencial da USP. Em maio de 2021, um jovem negro cometeu suicídio na Cidade Universitária, após várias tentativas de obter acompanhamento psicológico, das quais não obteve o retorno adequado.

Apesar da ampla ciência da ocorrência de infelizes fatalidades como esta, ainda não há diretrizes efetivas e ações institucionais suficientes para suprir a demanda necessária de atendimentos, principalmente de moradores do CRUSP, onde se concentra a grande maioria dos poucos alunos negros da universidade. Se, por um lado, há o feliz dado de que em 2021, 51,7% dos ingressantes na USP são alunos oriundos de escola pública, por outro lado há uma grande preocupação no que diz respeito à questão da permanência na universidade. Com redes de apoio extremamente escassas e ainda assim superlotadas num cenário em que já haviam poucos estudantes de baixa renda, o ingresso de novos alunos deveria urgir as diretrizes acadêmicas à tomada de decisões efetivas, que visem a permanência de alunos já no curto prazo, dada a inércia observada até então, mesmo com a exposição dos casos e relatos.

No Brasil, cerca de 64% da população está totalmente imunizada e quase 75% já recebeu a 1ª dose da vacina, segundo o Consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde. Após quase 2 anos de luta contra o Covid, a situação antes acentuada caminha para uma relativa estabilidade, apesar de se reforçar as precauções ainda necessárias para seu efetivo controle. Desse modo, finalizando o ano de 2021 e vendo o sucesso do avanço nas vacinações, voltaríamos a trabalhar sobre a pandemia do racismo que já era existente, como afirmou Cato. Dada a ostensiva exposição das lacunas sociais que urgem políticas públicas eficientes e dado ainda o ambiente universitário que se destacou no trabalho de pesquisas no combate à Covid, cabe agora utilizar-nos destas mesmas ferramentas e direcionar esforços que visem diretrizes antirracistas e de permanência de alunos negros numa universidade elitista, ainda que custeada pelo dinheiro público. A USP é referência internacional pelas pesquisas que produz, mas pouquíssima eficiente na adoção de condutas antirracistas e que visem a inclusão social.

REFERÊNCIAS

http://www.esquerdadiario.com.br/Jovem-demais-negro-demais-violencia-e-suicidio-na-USP

https://www.health.harvard.edu/blog/racism-discrimination-health-care-providers-patients- 2017011611015

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7375320/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7574839/

https://www.ims.uconn.edu/cato-laurencin/#

https://ceert.org.br/noticias/direitos-humanos/26651/cida-bento-reflete-sobre-a-branquitude-e-o-impacto-do-racismo-na-crise-do-coronavirus

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53338421

https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Saude/noticia/2021/06/tentativas-de-suicidio-entre- adolescentes-aumentaram-mais-de-50-na-pandemia.

https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/05/31/metade-dos-alunos-ingressantes-da-usp-em- 2021-vem-de-escola-publica.htm

https://covid.saude.gov.br/

https://g1.globo.com/saude/coronavirus/noticia/2021/11/30/brasil-completa-30-dias-com- media-movel-de-mortes-por-covid-abaixo-de-300.ghtml

https://especiais.g1.globo.com/bemestar/vacina/2021/mapa-brasil-vacina- covid/?_ga=2.65953134.1332291038.1611863343-407820946.1611889186

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