Conforme a Lei 11.445/07, saneamento básico é o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Mas, como podemos interligar o saneamento básico à saúde pública, de modo particular em nosso país?
Como necessidade primária, temos água potável. De acordo com o ‘Ranking do Saneamento’, divulgado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, no Brasil, mais de 35 milhões de pessoas não têm acesso a água potável nas condições mínimas aceitáveis. O consumo ou uso da água sem o tratamento adequado leva a quadros clínicos críticos ou fatais através de doenças como hepatite A, cólera, leptospirose e diarreias infecciosas. Todas estas e outras enfermidades podem ser contraídas por bactérias, vírus e germes presentes em águas contaminadas. Além disso, doenças secundárias como pressão alta também podem ser correlacionadas ao acesso escasso à água potável.
O relatório do Programa Conjunto de Monitoramento (JMP) da OMS e do UNICEF, Progress on drinking water, sanitation and hygiene: 2000-2017: Special focus on inequalities revela que, embora tenham sido feitos importantes progressos para alcançar o acesso universal à água, ao saneamento básico e à higiene, há enormes lacunas na qualidade dos serviços prestados.
“Mero acesso não é o suficiente. Se a água não é limpa, não é segura para beber ou fica afastada, e se o acesso ao banheiro é inseguro ou limitado, então não estamos entregando o que é necessário para as crianças do mundo”, disse Kelly Ann Naylor, diretora associada do programa de Água, Saneamento e Higiene do UNICEF. “As crianças e suas famílias nas comunidades pobres e rurais correm o maior risco de serem deixadas para trás. Os governos devem investir nas comunidades delas, se quisermos unir essas divisões econômicas e geográficas e entregar esse direito humano essencial”.
O relatório revela que 1,8 bilhão de pessoas têm acesso a serviços básicos de água potável desde 2000, mas há grandes desigualdades na acessibilidade, disponibilidade e qualidade desses serviços. A falta de saneamento é ainda mais grave quando tratamos do público infantil. Mais de 1,7 milhão de crianças com menos de cinco anos morrem por ano devido a doenças relacionadas à poluição, falta de saneamento e uso de água imprópria para o consumo, denunciou a Organização Mundial de Saúde (OMS). O número de mortes por doenças relacionadas a problemas ambientais representa cerca de um quarto do total de mortes de crianças até os cinco anos em todo o mundo. É importante observar que nessa idade elas são mais sensíveis a doenças veiculadas pela água. Em 2017, a média era de 600 crianças são mortas todos os dias pela precariedade no saneamento, principalmente no Norte e Nordeste do nosso país:
“Imaginemos a queda de três aviões, cada um com 200 crianças por mês em nosso País. O que aconteceria no Brasil? Seria um escândalo mundial; nosso espaço aéreo seria fechado; os políticos instalariam CPIs; a população voltaria para as ruas em forma de protesto. Seríamos julgados por um Tribunal Penal Internacional” – Comentou o Desembargador Pedro Valls Feu Rosa sobre Saneamento, Direito e Desenvolvimento Sustentável
Ademais, conforme informações da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta e tratamento de esgoto, e 35 milhões não recebem água tratada nas suas casas. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que os municípios com baixo investimento em saneamento básico têm altos índices de doenças que estão relacionadas à deficiência no serviço de água e esgoto. Quando pensamos no Brasil, este dado se torna ainda mais preocupante, uma vez que temos estados como Pará, onde menos de 10% da população tinha acesso à rede de esgoto até 2018 (noticiado via G1).
Atualmente, morrem no Brasil 15 mil pessoas por ano em decorrência de doenças relacionadas à falta de saneamento, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, segundo o órgão, cada R$1,00 investido em saneamento gera economia de R$4,00 na saúde. Tendo em vista que o nosso país é extremamente desigual, pensar que em pleno século 21 ainda há pessoas falecendo por consequência de algo que deveria ser assegurado pela Lei e combater ainda geraria ganhos aos cofres públicos é extremamente revoltante.
Dados do DataSUS apontam que, em 2018 foram registradas mais de 230 mil internações por doenças de veiculação hídrica que resultaram em 2.180 óbitos. O custo das internações por esse tipo de doença ficou em R$90 milhões naquele ano. Se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgoto, haveria uma redução, em termos absolutos, de 74,6 mil internações.
Além da questão da saúde pública ligada à proliferação de doenças, os riscos de poluição e contaminação de rios, lagos e mananciais são crescentes, e os reflexos ambientais vão muito além do ecossistema local.
Para que a universalização do abastecimento de água, serviços de esgotamento sanitário, limpeza urbana e drenagem de águas pluviais cheguem para todo o território nacional, é necessário um investimento na ordem de R$22 bilhões por ano. Desse modo, o poder público e a iniciativa privada precisam unir esforços para atuar no combate desta problemática com urgência. Durante estes dois anos pandêmicos, o acesso à água tratada está sendo um dos principais fatores de combate ao Coronavírus e ainda há milhares de pessoas sem este “privilégio” de proteção.
Referências:
CBIC. 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável no país. Disponível em: https://cbic.org.br/35-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-agua-potavel-no-pais/. Acesso em: 14 nov. 2021.
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. LEI Nº 14.026, DE 15 DE JULHO DE 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.026-de-15-de-julho-de-2020-267035421. Acesso em: 14 nov. 2021.
EOS – SANEAMENTO BÁSICO. A IMPORTÂNCIA DO SANEAMENTO BÁSICO NA SAÚDE PÚBLICA. Disponível em: https://www.eosconsultores.com.br/importancia-do-saneamento-basico-na-saude-publica/. Acesso em: 14 nov. 2021.
GLOBO – G1. Menos de 10% da população paraense tem acesso a rede de esgoto. Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/menos-de-10-da-populacao-paraense-tem-acesso-a-rede-de-esgoto.ghtml. Acesso em: 14 nov. 2021.
JUNTOS PELA ÁGUA. CUSTO DA POLUIÇÃO AMBIENTAL É DE 1,7 MILHÃO DE CRIANÇAS MORTAS POR ANO. Disponível em: https://www.juntospelaagua.com.br/2017/03/14/poluicao-ambiental/. Acesso em: 14 nov. 2021.
SANEAMENTO EM PAUTA. Os impactos da relação entre saneamento básico e saúde pública. Disponível em: https://blog.brkambiental.com.br/saneamento-basico-e-saude-publica/. Acesso em: 14 nov. 2021.
SCIELO. Saneamento básico no Brasil: considerações sobre investimentos e sustentabilidade para o século XXI. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/KCkSKLRdQVCm5CwJLY5s9DS/?lang=pt. Acesso em: 14 nov. 2021.
UNICEF. 1 em cada 3 pessoas no mundo não tem acesso a água potável, dizem o UNICEF e a OMS. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/1-em-cada-3-pessoas-no-mundo-nao-tem-acesso-agua-potavel-dizem-unicef-