O Presidente da República sancionou no dia 02/09/2021 a Lei nº 14.200 que “Altera a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (Lei de Propriedade Industrial), para dispor sobre a licença compulsória de patentes ou de pedidos de patentes nos casos de declaração de emergência nacional ou internacional ou de interesse público, ou de reconhecimento de estado de calamidade pública de âmbito nacional”. A normativa entra em vigor na data de sua publicação (03/09/2021).
A Lei de Propriedade Industrial já previa o licenciamento compulsório em situações de emergência nacional ou interesse público. Com a alteração, o licenciamento também se torna possível nos casos de emergência internacional e de reconhecimento de calamidade pública de âmbito nacional pelo Congresso Nacional. O processo para a aprovação da licença será feito analisando caso a caso, sendo concedida apenas a aqueles produtores que apresentem capacidade técnica e econômica para a produção do item. Cabe ainda mencionar que as licenças serão conferidas por tempo determinado e o titular será remunerado.
No que tange aos dispositivos vetados, destaca-se o veto à obrigação de que o titular da patente transfira o know-how e forneça os insumos necessários à produção do item, conforme estava previsto no PL 12/2021 enviado à sanção presidencial. Segundo comunicado da Secretaria-Geral, “essas medidas seriam de difícil implementação e poderiam criar insegurança jurídica no âmbito do comércio internacional, além de poder desestimular investimentos em tecnologia e a formação de parcerias comerciais estratégicas, havendo meios menos gravosos para se assegurar o enfrentamento desse tipo de crise”. O veto ainda será analisado pelo Congresso Nacional, que poderá mantê-lo ou derrubá-lo.
Ainda cabe dizer que no comunicado afirmou-se que a quebra de patentes não será aplicada no presente momento de enfrentamento à pandemia. De acordo com o comunicado, o licenciamento compulsório somente será concedido caso o titular da patente se recusa ou seja incapaz de atender à necessidade local. Nesse sentido, alegou-se que não cabe a utilização desse meio agora, “uma vez que as vacinas estão sendo devidamente fornecidas pelos parceiros internacionais”.
A discussão sobre a quebra de patentes e a posição adotada pelo Poder Executivo deve ser entendida à luz do debate ocorrendo em âmbito internacional, onde o tema sobre a concessão de licenças a patentes está sendo discutido na Organização Mundial do Comércio (OMC). Índia e África do Sul, em 02/10/2020, solicitaram à OMC a suspensão temporária de certos dispositivos constantes no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, em inglês). Atualmente, o Acordo possibilita a quebra de patentes em situações de emergência sanitária. Todavia, esta somente pode ser feita por cada país individualmente.
Assim, a proposta levada à OMC, chamada de Trips Waiver, objetiva acelerar a fabricação de vacinas e remover barreiras impostas, principalmente, a países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, dados que estes possuem acesso limitado às tecnologias necessárias à produção. Em um primeiro momento, a Waiver foi defendida, em maior parte, por países emergentes, enquanto países desenvolvidos tentavam negociar outra via, o que dava uma falta de perspectiva ao seguimento da proposta. Contudo, a sinalização dos Estados Unidos em apoio ao movimento “trouxe nova dinâmica ao movimento”, conforme notícia no Valor Econômico.
O governo brasileiro continua a defender uma terceira via na OMC, adotando o entendimento de que a “escassez de remédios e equipamentos se deve, principalmente, à capacidade produtiva e à insuficiência logística, e não à proteção conferida pelas patentes, que encarece o preço desses produtos”, segundo reportagem no O Globo. A justificativa dada pelo Brasil parece ir de encontro com o veto às disposições do PL 12/2021 que obrigavam a transferência do know-how e insumos, visto que esta parece ser a questão central em torno da escassez de remédios e equipamentos, considerando a citação acima.
Apesar dos vetos e da posição brasileira no âmbito internacional, entende-se que a iniciativa é de extrema relevância frente ao contexto atual. Com a normativa, o governo federal fica permitido a instituir a quebra temporária de patentes em eventual desabastecimento tendo em vista a necessidade de produzir medicamentos e vacinas. Em entrevista ao Valor Econômico, Pedro Villardi, do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), afirma que “Isso [a emissão de várias licenças compulsórias ao mesmo tempo] dá ao Brasil uma celeridade que é fundamental em tempos de emergência de saúde pública”.
Assim, a sanção do PL 12/2021 representa um avanço no combate à pandemia. Contudo, os esforços não devem parar por aí, sendo necessária uma ação em escala global que inclua países menos desenvolvidos na cadeia de distribuição de vacinas. Sem uma vacinação em massa, continuaremos a conviver com o vírus e países de menor desenvolvimento econômico continuarão a ser os maiores prejudicados.
Excelente artigo. Muito bem redigido e de facil compreensao. Parabéns a autora!
Ótimo texto, Mariana!
Perante tudo que o Brasil passou e vem passando neste momento de crise e pandemia, é um suspiro ler algo positivo feito pelo atual Governo. Artigo muito bem redigido, a forma no qual você explicou todo o trâmite foi extremamente esclarecedora, uma vez que o processo é demasiadamente burocrático.
Interessante a maneira com que o mecanismo de patentes é colocado à prova em situações emergenciais.
Se por um lado, existe uma tradição institucional de apoiar a proteção de patentes e o direito de propriedade intelectual sobre diversas iniciativas, por outro lado, a situação emergencial de COVID-19 requer a adoção de medidas que quebre com tais mecanismos, visando maior eficácia no controle e prevenção da doença.
Deixo como recomendação o artigo de Paraguassu e Cardenas, que pode ser encontrado no seguinte link: https://bjihs.emnuvens.com.br/bjihs/article/view/175/241. Os autores demonstram como caminhos alternativos via organizações internacionais e o próprio COVAX podem ser demasiadamente lentos e burocráticos, não conseguindo solucionar a disparidade de acesso à tecnologias de combate ao COVID-19, principalmente pelos países mais pobres.