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Para além da doença: efeitos indiretos e consequências da Pandemia no desenvolvimento de crianças e adolescentes, de Raíssa Wittlich Cortez

16 novembro 2021

Para além da doença: efeitos indiretos e consequências da Pandemia no desenvolvimento de crianças e adolescentes, de Raíssa Wittlich Cortez

Analisando as notícias internacionais acerca dos impactos indiretos que a pandemia do covid exerceu em crianças e adolescentes de países de baixa e média renda, percebe-se que eles foram significativos e terão um efeito a longo prazo. Observa-se que tanto os governos nacionais destes países quanto a comunidade internacional não deram respostas que abarcassem soluções adequadas para populações em situação de fragilidade social, especialmente crianças e adolescentes de baixa renda. Nestes países, onde a população jovem representa ainda grande parcela da população, as consequências a longo prazo terão efeitos significativos, levando toda uma geração a passar para a fase adulta carregando traumas que podem ser no desenvolvimento físico e/ou emocional, representando um grande problema de saúde global.

O relatório da UNICEF ROSA (Fundo das Nações Unidas para a Infância – Escritório Regional para Sul Asiático), Direct and Indirect Effects of COVID-19 Pandemic and Response in South Asia, sobre as consequências da pandemia do COVID 19 para crianças, adolescentes e mães habitantes dessa região, contou com um estudo feito nos países: Sri Lanka,  Afeganistão, Bangladesh, Nepal, Índia e Paquistão. A região, que conta com 1,8 bilhões de pessoas, registrou 11 milhões de casos da doença em 2020, levando à necessidade dos governos nacionais adotarem medidas de restrição na circulação de pessoas, como lockdowns e ordens para ficar em casa, o que, por sua vez, de acordo com o relatório, surtiu efeitos indiretos na nutrição e outras doenças relacionadas ao bem estar social de parte da população mais vulnerável, especialmente crianças e adolescentes.

O relatório sugere que as medidas de restrição social auxiliaram no combate à propagação do vírus, porém geraram efeitos negativos nessa região onde um décimo da população vive abaixo da linha da pobreza. Alguns desses efeitos são o não comparecimento de crianças e adolescentes nas escolas que impactou negativamente o desenvolvimento de capacidades cognitivas e habilidades, e o não convívio social nesses ambientes afetou o bem-estar emocional e social. No relatório, a UNICEF ROSA estimou que 420 milhões de crianças e adolescentes destes países ficaram fora das escolas, destes, 9 milhões provavelmente abandonarão permanentemente os estudos. A região, que já lutava contra a má nutrição e falta de acesso à educação desde antes da pandemia, viu seus índices piorarem, apresentando números crescentes de crianças com problemas de desenvolvimento físico ligados à insegurança alimentar, um aumento estimado em 400.000 gravidezes não-planejadas entre adolescentes e aumento na taxa de casamento infantil, fatores todos conectados ao abandono escolar.

Em um estudo feito pela OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre a  Continuidade dos Serviços de Saúde Essenciais Durante a Pandemia da COVID-19, foram relatadas precarizações dos serviços de saúde entre março e junho de 2020 em 90% dos 105 países inquiridos em cinco regiões. Mais da metade dos países inquiridos documentaram precarizações nos cuidados pré-natais, assistência a crianças doentes e gestão da desnutrição, tendo 70% deles reportado distúrbios na imunização de rotina. Somado a isso, a experiência com pandemias anteriores, por exemplo do Ebola na África Ocidental em 2014, revelou que a recuperação dos sistemas de saúde poderá ser lento. Também o aumento da pobreza e desemprego na pandemia geraram rupturas nas cadeias de abastecimento que, por sua vez, contribuíram para o aumento da insegurança alimentar em regiões mais pobres. O abastecimento de alimentos perecíveis, como frutas, vegetais e alimentos de origem animal foram trocados por estocagem de alimentos não-perecíveis e menos dispendiosos, como ultraprocessados, especialmente durante os lockdowns.

Um outro relatório da UNICEF refere-se ao aumento e degradação dos termos do trabalho infantil ao redor do mundo, causado pelo crescente desemprego que levou muitas famílias à vulnerabilidade econômica e ao fechamento das escolas. Já nos casos de famílias cujos pais continuaram trabalhando remotamente, um estudo publicado pela editora Elsevier em março de 2021 acerca dos danos psicológicos gerados em crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento, demonstra que o isolamento tem levado-os a ficarem mais suscetíveis a desenvolver estresses biopsicossociais. O estudo explica que a própria situação dos pais – ter de trabalhar em casa e gerenciar os filhos – os leva a ficarem mais estressados e que isso poderia afetar os filhos mental e comportamentalmente, podendo levá-los a quadros de ansiedade e depressão na idade adulta.

Portanto, as medidas de contenção do vírus COVID-19 apesar de constatadas como eficientes e bem-sucedidas (onde foram aplicadas), geraram efeitos indiretos negativos em populações em situação de maior fragilidade. O problema não está, claramente, nas medidas em si, mas no despreparo tanto de organizações internacionais que não se mostraram capazes de dar respostas efetivas para a situação e também no despreparo de governos nacionais que priorizam a economia em detrimento do bem-estar de suas populações. Faz-se urgente investimentos em sistemas de saúde pública, educação e programas de redução de pobreza como forma de preparação para futuras pandemias. Para hoje se faz necessário buscar reverter os males causados nos adolescentes e crianças, garantir a reversão do quadro de abandono escolar assim como investir em políticas que mitiguem o casamento infantil e a insegurança alimentar em regiões pobres.

Referências

Editora Elsevier. COVID-19 pandemic impact on children and adolescents’ mental health: Biological, environmental, and social factors. Disponível em: <https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S0278584620304875?token=E8775A61D215F77E7B0C50655952ED3CAE9863ABF8C5590BAB229B56E7D8D3246B52D8837127AB39DEFEAD07E63DF3F9&originRegion=us-east-1&originCreation=20211012031205>.

Revista Nature. The COVID-19 crisis will exacerbate maternal and child undernutrition and child mortality in low- and middle-income countries. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s43016-021-00319-4>UNICEF. Addressing the effects of COVID-19 on children, adolescents and mothers in South Asia. Disponível em: <https://www.unicef.org/rosa/media/13061/file/4-page%20Summary%20Report.pdf>.

UNICEF. Child Labour: Global estimates 2020, trends and the road forward. Disponível em: <https://data.unicef.org/resources/child-labour-2020-global-estimates-trends-and-the-road-forward/>.

UNICEF. Progress towards UNICEF South Asia’s Headline and Complementary Results (2018–2021). Disponível em: <https://www.unicef.org/rosa/reports/progress-towards-unicef-south-asias-headline-and-complementary-results-20182021>.

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Leticia Maria de Albuquerque Stefanini
2 anos atrás

Acho abordar esse tema de extrema importância! Busquei me aprofundar sobre, e os dados são realmente alarmantes: no Brasil, teve um crescimento de mais de 9% na evasão do ensino básico durante a pandemia. Além disso, desse número, 70% desses estudantes a evadir se declaram como negros ou pardos, e a principal razão é ter que trabalhar, em idade de ensino fundamental (menor de 14 anos). Um reflexo da desigualdade social que se tende a se agravar, e da violência infantil causada pelo Estado.