Mulheres transexuais, homens trans, pessoas não-binárias, travestis, genderqueer, esses são alguns dos grupos que serão retratados no decorrer desse artigo sobre o escopo de “População trans”. Termo usado para contemplar indivíduos que tiveram um gênero designado a si quando nasceram, em consonância com seus órgãos reprodutivos, mas que não se identificam com aquele.1
A existência de um transtorno de identidade de gênero foi descartada pela OMS apenas recentemente, sendo retirada da nova versão do CID, Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, que entrará em vigor em 2022.2 Portanto, a transexualidade torna-se uma condição não passível de diagnóstico, sendo reconhecida sua identidade dependente de aspectos culturais e sociais, e independente de condições psiquiátricas. Mesmo com essa vitória, a população trans ainda tem de enfrentar uma série de barreiras que a impede de ter condições de vida similares as de pessoas cisgênero. Essa desigualdade pode ser destacada em instâncias que vão de acesso à educação à espaço no mercado de trabalho, mas o artigo abordará as dificuldades de acesso da população trans à saúde e os efeitos da estigmatização nas condições de saúde desse grupo.
O entrave mais evidente consiste nas dificuldades que pessoas trans encontram em se consultar com médicos especializados em sistema reprodutivo, tais como ginecologistas e urologistas. Isso porque, esses são ambientes ocupados massivamente por pessoas de gênero distinto dos dessas populações, o que pode gerar um desconforto do paciente trans ou uma estigmatização por parte de outros pacientes ou da equipe médica. Outro fator que pode afastar pessoas trans desse atendimento é a disforia de gênero. É importante ressaltar que ser uma pessoa trans não tem correlação direta com o ato de odiar seu corpo ou órgão genital, entretanto, para parte da população trans, o ato de cuidar da genitália pode vir a ser algo muito angustiante, o que pode gerar uma negligência dessa área.3 Outro campo que compartilha das mesmas questões é a obstetrícia, visto que nele pessoas trans gestantes estão inseridas em ambientes majoritariamente compostos e preparados para atender as demandas de mulheres cis, sendo essencial um preparo da equipe medica para atender a aqueles pacientes, visto que eles tem necessidades particulares como conrtrole hormonal e possíveis disforias corporais.
Entretanto, os empecilhos da população trans em acessar a saúde se expande a todas as especialidades médicas, já que sua fonte é a estigmatização desse grupo. Tratamento grosseiro por parte da equipe hospitalar, recusa por parte de médicos de conduzir um tratamento apropriado e eficaz – como se negar a tocar um paciente trans – ou mesmo uma recusa total de conceder qualquer tipo de atendimento levantando como justificativa princípios religiosas ou morais, e indo contra o próprio preceito de atendimento universal da ética médica , esses são alguns dos fatores que estorvam o acesso de pessoas trans a saúde e que estão intrinsecamente ligados ao preconceito institucional. Além disso, pode-se citar a falta de preparo de instituições e profissionais sobre como lidar com uma pessoas trans de maneira respeitosa e saber atender suas demandas e necessidades específicas.
Todas essas condições que dificultam e afastam a população trans do atendimento de saúde podem levar a diagnósticos mais tardios de doenças e tumores, aumentando o risco de mortalidade.4 Sendo assim, as dificuldades de acesso de pessoas trans à saúde podem gerar, conjuntamente com os altos índices de violência sofrido por essa população e a própria marginalização da população trans, uma queda na expectativa de vida de pessoas trans para níveis abaixo da população geral.
Portanto, algumas medidas devem ser tomadas para facilitar a acessibilidade dessas populações ao atendimento de saúde. Primeiramente, é necessário garantir o treinamento e preparo de toda a equipe hospitalar, privilegiando o conhecimento acerca dessa população e as particularidades que devem se dar no atendimento dela, isso deve ocorrer desde os cursos técnicos e de graduação, até dentro dos próprios ambientes hospitalares, para garantir que todos os profissionais estejam inseridos nesse processo. Para além da mudança institucional, deve haver também a criação de uma atmosfera mais acolhedora, o que pode se dar com atitudes banais como a divulgação do direito de uso do nome social naquela unidade ou mesmo de uso de banheiros de acordo com o gênero com que o indivíduo se identifica, transmitindo a ideia de que essas pessoas serão bem tratadas ali.5 Outras medidas importantes são construção de ambulatórios especializados no atendimento de pessoas trans e apoio público ao processo transexualizador, com fornecimento de apoio psicológico, acompanhamento ao processo de hormonização e fornecimento de cirurgias gratuitas e seguras que garantam que essas pessoas se sintam bem quanto a sua imagem e possam ser reconhecidas socialmente com o gênero que se identificam, se assim desejarem. Por fim, é essencial a inserção de representantes da população trans em todos esses processos, para assegurar que as medidas tomadas realmente contemplarão esse grupo tão discriminado atualmente.
Referências Bibliográficas:
(1) (3) (5) SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE. O Atendimento de Pessoas Trans na Atenção Primária de Saúde. Disponível em: https://www.sbmfc.org.br/noticias/o-atendimento-de-pessoas-trans-na-atencao-primaria-a-saude/. Acesso em: 9 nov. 2021.
(2) GOVERNO FEDERAL. OMS retira transexualidade da lista de doenças e distúrbios mentais. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2018/junho/organizacao-mundial-da-saude-retira-a-transexualidade-da-lista-de-doencas-e-disturbios-mentais. Acesso em: 9 nov. 2021.
(4) BATISTA, Everton Lopes. Pessoas trans relatam barreiras no acesso a serviços de saúde: Tumores no sistema reprodutivo e na mama podem passar despercebidos no início, o que diminui chance de sucesso do tratamento. Folha de São Paulo, São Paulo, jun./2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/06/pessoas-trans-relatam-barreiras-no-acesso-a-servicos-de-saude.shtml. Acesso em: 10 nov. 2021.
UNAIDS. Estudo revela como o estigma e a discriminação impactam pessoas vivendo com HIV e AIDS no Brasil. Disponível em: https://unaids.org.br/2019/12/estudo-revela-como-o-estigma-e-a-discriminacao-impactam-pessoas-vivendo-com-hiv-e-aids-no-brasil/. Acesso em: 10 nov. 2021.
UNAIDS. Mais de 90% da população trans já sofreu discriminação na vida. Disponível em: https://unaids.org.br/2020/01/mais-de-90-da-populacao-trans-ja-sofreu-discriminacao-na-vida/. Acesso em: 10 nov. 2021.
WINTER, S. et al. Transgender people: Health at the margins of society. LANCET MINI-SERIES ON TRANSGENDER HEALTH:: PAPER ONE, Reino Unido, fev./2016. Disponível em: https://e-space.mmu.ac.uk/617364/1/Main%20text%20for%20DRAFT%208%20-%20CHANGES%20ACCEPTED.pdf. Acesso em: 11 nov. 2021