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O Financiamento de Ajuda Humanitária sob uma Perspectiva de Saúde Pública, de Alice Bertoni

18 novembro 2021

O Financiamento de Ajuda Humanitária sob uma Perspectiva de Saúde Pública, de Alice Bertoni

Em seu trabalho “Rethinking the Humanitarian Business Model”, publicado em 2018, Jeremy Konyndyk trouxe a tona uma discussão de suma importância para reflexão da eficiência de programas de ajuda humanitária sob uma perspectiva de Saúde Global. Para Konyndyk, grande parte da estruturação do modelo de ajuda humanitária que existe hoje é falha por não ser guiado por demanda, mas sim por oferta. Ou seja, grande parte da ajuda humanitária não tem como principal fator motivador a demanda do país que está recebendo a ajuda, mas sim a preferência de doadores ou agências internacionais de ajuda humanitária por ofertar determinado tipo de ajuda que pode ou não ser a mais eficiente na região.

O fato de uma parte relevante de ajuda humanitária ser guiado pela oferta de doadores se deve, muitas vezes, aos objetivos secundários que doadores possuem para além de mitigar a situação de vulnerabilidade em si. Muitos doadores, por exemplo, optam por investir em determinadas causas que possuam resultados facilmente quantificáveis porque isto facilita, por exemplo, na realização de campanhas de marketing para benefício próprio. Isso se estende desde agências a por exemplo governos, que muitas vezes utilizam o fornecimento de ajuda internacional como propaganda para fins eleitorais. No entanto, por diversas vezes estas políticas quantificáveis, por mais que sem sobra de dúvidas possam ser de fato muito importante para estes países, não correspondem à melhor alocação de dinheiro para de fato sanar a demanda dos recebedores de ajuda.

Por exemplo, uma associação como a World Food Programe (WFP) é responsável pelo financiamento, estabelecimento e monitoramento de programas de segurança alimentar de ponta a ponta – no entanto, em termos hipotéticos, pode ser que segurança alimentar não necessariamente seja uma necessidade mais urgente para população de determinado local do que, digamos, saneamento básico. Neste caso, pode ser que agências que sejam responsáveis por projetos que mitiguem a necessidade de saneamento básico sejam menos apelativas para doadores e, portanto, possuam menos financiamento do que agências de segurança alimentar.

Outro efeito adverso que este tipo de foco na ajuda humanitária guiada pela demanda pode ter em países recebedores é a falta de coesão em relação às políticas sanitárias estabelecidas em um mesmo país. Por diversas vezes, pode ser que diversas associações governamentais e não governamentais diferentes atuem no mesmo território trabalhando por objetivos distintos sem uma coordenação em escala macro de suas ações conjuntas nestes países. Por exemplo, determinadas obras de infraestrutura podem ser bem aproveitadas para mais de uma causa, como por exemplo o estabelecimento de fontes de fornecimento hídrico, mas podem ser direcionadas separadamente a apenas uma destas necessidades.

Uma compreensão de ajuda humanitária baseada na demanda, por outro lado, olharia para o estabelecimento de políticas de saúde pública não por uma perspectiva de disponibilidade dos doadores para financiarem determinadas causas mas sim para a captação de recursos para uma região como um todo e posterior distribuição conforme um plano de saúde pública abrangente que leva em consideração as múltiplas necessidades de saúde pública neste local.

Este tipo de abordagem, sem dúvidas, seria o mais produtivo em termos de garantir o custo benefício de políticas públicas de saúde. No entanto, o revés em relação a este processo é a narrativa: muitas vezes, doadores são auto interessados e só teriam disponibilidade para doar em determinadas circunstâncias que atendam exatamente a mensagem que querem passar, independentemente a melhor alocação de recursos para aqueles que recebem o benefício. Desta forma, é provável que uma filosofia de ajuda humanitária baseada em demanda não recebesse tantos recursos como a ajuda humanitária em oferta, reduzindo a capacidade geral de captação para estabelecimento de programas.

Portanto, é urgente que se trabalhe a narrativa do que de fato significa saúde global. Mais do que a mitigação da situação de uma população específica, o estabelecimento eficiente de políticas de saúde pública deve ser de interesse da humanidade como um todo, de maneira abrangente e igualitária.

REFERÊNCIAS:

MWISONGO, Aziza; NABYONGA-OREM, Juliet. Global health initiatives in Africa – governance, priorities, harmonisation and alignment. Bmc Health Services Research. 2016. Disponível em < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4959383/pdf/12913_2016_Article_1448.pdf>

MCDONOUGH, Amy; RODRÍGUEZ, Daniela C. How donors support civil society as government accountability advocates: a review of strategies and implications for transition of donor funding in global health. Bmc Health Services Research. 2016. Disponível em < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7659168/pdf/12992_2020_Article_628.pdf>

KONYNDYK, Jeremy; SAEZ, Patrick. Rethinking Humanitarian Reform: A View from International Actors. Center for Global Development. 4 de dezembro de 2020. Disponível em <https://reliefweb.int/report/world/rethinking-humanitarian-reform-view-international-actors>

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