Nutrigenômica e nutrigenética: 0,1 % que nos tornam únicos, de Lucas Inafuku

1 novembro 2021

Nutrigenômica e nutrigenética: 0,1 % que nos tornam únicos, de Lucas Inafuku

Os alimentos possuem uma enorme capacidade de influenciar nosso estado físico e emocional através da interferência na nossa fisiologia, seja ela positiva ou negativa.  

Para melhor compreensão sobre o tema, iremos fazer uma analogia com o uso de um fármaco e sua atuação sobre o corpo humano, que segue duas vias. A farmacocinética estuda a atuação do corpo sobre a droga, consistindo em 4 etapas que podemos abreviar em ADME: Absorção, distribuição, metabolização e excreção. A segunda via, a farmacodinâmica, consiste no estudo sobre a atuação do fármaco sobre nosso corpo, ou seja, seus efeitos (LE, 2019) 

O tema interação nutriente e gene também segue a mesma lógica. A nutrigenômica estuda como os nutrientes modulam a expressão gênica e a nutrigenética estuda as alterações genéticas e seus impactos sobre os processos de saúde/doença, além da detecção dos genes responsáveis por determinadas respostas fisiológicas (FUJII et al., 2010). 

Nosso agrupamento de genes possui 99,9%, sendo apenas 0,1% a variante que determina diferenças tanto externas quanto internas, definindo nossa resposta à dieta e saúde.  

Nos casos de Diabetes Mellitus tipo 1, que consiste em uma doença autoimune no qual ocorre a destruição das células beta do pâncreas através de uma alteração genética (ADA, 2008) e fenilcetonúria ou PKU, que consiste em uma alteração genética onde o corpo não produz uma enzima chamada fenilalanina hidroxilase, que é responsável pela sua metabolização, sendo que sua ausência acarreta níveis aumentados desse aminoácido, que é tóxico ao corpo (DEMCZKO, 2020). 

 No caso de DM 1 e PKU temos exemplos de desordens genéticas que impactam de maneira significante e permanente a dieta adotada por seus portadores. Por outro lado, há a influência dos alimentos e do ambiente na expressão gênica, que podem ser usados de maneira deliberada com o intuito de promover bem estar e aumento de performance física e/ou mental.  

A sinergia entre um estilo de vida e dieta apropriada promovem interações nutrigenômicas, que acarretam maior e melhor expectativa de vida. É sabido que a integridade dos telômeros está diretamente associado ao processo de envelhecimento, no qual compostos bioativos como catequinas presentes no chá verde estão associados com telômeros mais longos, além de compostos que participam de sua integridade como ômega 3, polifenóis, curcumina e ácidos graxos. Além disso componentes como resveratrol, presentes na uva, contribuem para ativação da proteína SIRT 1, que por sua vez aumenta a transcrição de hTERT, que induz na limitação do envelhecimento celular através da proteção dos telômeros (YAMASHITA et al, 2012). 

Além das substâncias bioativas dos alimentos atuarem sobre o processo de envelhecimento celular, elas modulam uma série de atividades no nosso corpo através de vários mecanismos como indução de fatores de transcrição que promovem atividade inflamatória, antiinflamatória, antioxidante, lipogênica, lipolítica, biogênese mitocondrial e diversos outros. Além dos hábitos alimentares, temos a influência do estilo de vida agindo concomitantemente sobre a saúde, portanto a busca harmônica dos dois fatores é essencial para prevenção de agravos.  

O estudo da interferência dos componentes alimentares sobre os genes são fundamentais para compreender a maneira como o processo de saúde e doença acontece, uma vez que há uma crescente onda das DCNT (doenças crônicas não transmissíveis), além de elaborar estratégias para elencar essas duas ciências a fim de promover o bem estar. Há algumas enfermidades comuns a todos os países que vem se tornando cada vez mais graves como obesidade, diabetes e HAS, portanto a contribuição da nutrigenômica apresenta um vasto potencial para promover a saúde em escala global. Infelizmente nem todos possuem acesso regular a alimentos de qualidade, além da implicação das doenças previamente citadas impactarem negativamente mais os estratos sociais carentes, uma vez que detém menores condições de alcance da informação, sistemas de saúde e medicamentos. 

Há exames laboratoriais que revelam o perfil genômico individual, apresentando um campo promissor para guiar elaborações dietéticas e orientações médicas cada vez mais específicas. Porém atualmente esses exames possuem alto custo além de ser um campo recente. Futuramente a elaboração de estratégias nutricionais com auxílio do perfil genético mais acessível e assertivo deve vir a ser uma realidade. Contudo, apesar de ser um campo promissor, vale salientar que as desigualdades econômicas e sociais dificultam a ampliação de sua instrumentalização, seja por incapacidade de compreensão da sua importância, existência e/ou financeira, tornando restritos a um público específico, que detém tal condição. Para que a implementação dessa ferramenta seja efetiva, primeiramente, é necessário assegurar, à população, acesso básico aos serviços de saúde. 

Uma reflexão acerca desse campo emergente é a constante indagação concernente à influência de elementos presentes constantemente na vida humana sobre nossos genes. Como modelo podemos citar o tema alimentação orgânica em contraposição à ingestão de agrotóxicos como também os alimentos transgênicos. Com o aumento crescente de aditivos alimentares e inserção de novos modelos de processamento pela indústria de alimentos, é possível que em um futuro próximo, com o avanço dos estudos nutrigenômicos e nutrigenéticos seja possível esclarecer os mecanismos envolvidos, bem como apresentar novas normas reguladoras sobre produtos, aditivos e todo o espectro que o abarcam.  

Devemos enfatizar o fator socioeconômico como um fator limitante ao acesso de produtos seguros e nutricionalmente balanceados como exemplo do custo elevado de alimentos orgânicos em contraposição aos preços baixos e de fácil acesso dos alimentos ultraprocessados.  

Para que haja pleno desenvolvimento na área é necessário um esforço conjunto no que tange investimentos na área, atuação de ordem política para que normas sejam regulamentadas, além de claro, apresentar uma base sólida de compilados científicos demonstrando eficácia ou dano sobre a expressão gênica no processo saúde/doença.  

A análise crítica feita por VENTURA et al (2020) demonstra que o desenvolvimento do assunto Segurança de Saúde Global, assim como a temática nutrição e genética, apresentam lacunas referentes às dimensões econômicas, sociais, ambientais e afins, que devem ser compreendidas como fundamentais na elaboração de planos que visem o seu propósito. A pandemia de Covid-19 não deve ser encarada apenas como um problema passageiro, mas também como um evento que evidencia agravos adjacentes como pobreza, desigualdade social, falta de infraestrutura e investimento no setor da saúde e correlatos, assim como as DCNT. Quando há resolutividade dos problemas adjacentes, ocorre um ambiente mais favorável para o enfrentamento das doenças agudas e crônicas.  

Como última reflexão, nos tempos atuais em especial no Brasil, mais importante do que a elucidação das influências dos nutrientes no genoma humano, é garantir que a população tenha um acesso digno à alimentação.  

BIBLIOGRAFIA 

American Diabetes Association. Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care 2008 Jan; 31(Supplement 1): S55-S60. Disponível em: https://doi.org/10.2337/dc08-S055 

Castro R. e Bruno L. Alvos genéticos e epigenéticos: estratégias nutricionais eficientes. 1° ed. São Paulo: PoloBooks, 2017. 

Demczko M. Fenilcetonúria (PKU). Sidney Kimmel Medical College of Thomas Jefferson University. 2020. Disponível em https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/pediatria/disfun%C3%A7%C3%B5es-metab%C3%B3licas-heredit%C3%A1rias/fenilceton%C3%BAria-pku 

Fujii TM. et al. Nutrigenômica e nutrigenética: importantes conceitos para a ciência da nutrição. Nutrire rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 35, n. 1, p. 149-166, abr. 2010. Disponível em: http://sban.cloudpainel.com.br/files/revistas_publicacoes/278.pdf 

Le J. Visão geral da farmacocinética. Universidade de California de San Diego; 2019. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/farmacologia-cl%C3%ADnica/farmacocin%C3%A9tica/vis%C3%A3o-geral-da-farmacocin%C3%A9tica 

Ventura D. et al, Lessons from the Covid-19 pandemic: sustainability is an indispensable condition of Global Health Security. Ambiente & Sociedade; 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-4422asoc20200108vu2020L3ID 

Yamashita S. et al. SIRT1 prevents replicative senescence of normal human umbilical cord fibroblast through potentiating the transcription of human telomerase reverse transcriptase gene. Biochemical and Biophysical Research Communications 

Volume 417, Issue 1, 6 January 2012, Pages 630-634. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0006291X11022236 

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