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Não há Orgulho sem saúde: a deterioração da saúde da população LGBTQ+ em meio a pandemia no Brasil, de Paulo Henrique Andrade Silva

19 outubro 2021

Não há Orgulho sem saúde: a deterioração da saúde da população LGBTQ+ em meio a pandemia no Brasil, de Paulo Henrique Andrade Silva

A pandemia de COVID-19 trouxe inúmeros desafios para a população brasileira: piora na saúde mental, afastamento da rede de apoio, falta de fonte de renda… fatores que impactaram, sobretudo, grupos socialmente excluídos e mais vulneráveis. Dentre esses, a população LGBTQ+ foi uma das mais afetadas. É o que aponta o estudo “Diagnóstico LGBT+ na Pandemia: Desafios da comunidade LGBT+ no contexto de isolamento social em enfrentamento à pandemia de Coronavírus” (2020) elaborado pelo coletivo #VoteLGBT em conjunto com a BOX1824, agência especializada em pesquisas comportamentais.

A invisibilidade, a exclusão social, política e econômica e a violência relacionadas a identidade de gênero e orientação sexual não são uma novidade: 28% da população LGBTQIA+ afirmou já ter sido diagnosticada com depressão antes da pandemia, frente a 5% da população brasileira em geral, como aponta o estudo. Taxas de ansiedade e suicídio também são mais elevadas nessa parcela populacional. Mas isso piorou. O isolamento, o acesso desigual à saúde e a desestruturação econômica trazidos pela pandemia do novo Coronavírus, em conjunto com as desastrosas e negligentes políticas públicas implantadas pelo Governo Federal, resultaram em deterioração geral da saúde e segurança de pessoas LGBTQ+. Cerca 43% dessas pessoas relatam o aumento de problemas ligados à saúde mental; 40% alegam algum tipo de impacto causado pelo afastamento da rede de apoio imposto pelo isolamento; outros 17% apontam a falta de uma fonte de renda como o maior impacto da pandemia em suas vidas.

Como reforçado pela Professora Deisy Ventura em suas aulas, e formalizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde não se resume apenas a ausência de enfermidades, mas sim “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”, sendo um conceito amplo e que transpassa diversos aspectos da vida. Além disso, a OMS enfatiza que “o aproveitamento do mais alto padrão de saúde possível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, crença política, condição econômica ou social”.

Mas, ao olharmos o cenário brasileiro em meio a pandemia, nota-se como esse direito humano básico está constantemente sobre ataque, impulsionado pela discriminação de um governo negligente e higienista.  É fato que a dificuldade de acesso a vacinas e à segurança financeira impactou mais fortemente populações periféricas e socialmente excluídas. Segundo o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), a percepção sobre suas próprias condições de saúde sofre queda de 10,5% nessa parcela populacional, em comparação ao período anterior à pandemia. É também nesse contexto que muitas pessoas LGBTQ+ encontram as maiores dificuldades durante o surto da doença, agravadas pela falta de amparo governamental: em 2020, o Ministério da Mulher, Família e Direito Humanos não usou 1 centavo sequer da verba de R$4,5 milhões destinada especialmente a esse público (Jornal O Globo, 2021).

A atuação do Governo na pandemia, que propositalmente segrega e sacrifica populações marginalizadas em prol de ganhos econômicos, é analisada no artigo “De Líder a Paria de la Salud Global: Brasil como Laboratorio del “Neoliberalismo Epidemiológico” Ante la Covid-19” (Ventura, D., Bueno, F. 2021), que demonstra como o Brasil renunciou ao papel de destaque regional e global em temas de saúde para promover uma agenda ideológica de propagação do vírus, respaldada pela militarização do Ministério da Saúde, desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) e instrumentalização da agenda externa brasileira (por meio de ataques à OMS e negligência na negociação de vacinas), a fim de promover uma agenda econômica e a “imunidade de rebanho” em detrimento da vida e saúde de milhões de pessoas, sobretudo as mais vulneráveis, algo chamado de “neoliberalismo epidemiológico” (Ventura e Bueno, citando Frey, I. 2021).

É inegável que as sequelas do neoliberalismo epidemiológico promovido pelo Governo Bolsonaro, além de causarem danos à população como um todo, aprofundam ainda mais a violência, a exclusão e a insegurança financeira enfrentadas por pessoas LBGTQ+. Um relatório independente elaborado por especialistas das Nações Unidas e encaminhado à Assembleia Geral (Violence and discrimination based on sexual orientation and gender identity during the coronavirus disease (COVID-19) pandemic; 2020) concluiu que o isolamento social provocou aumento nos casos de violência baseada em identidade de gênero e orientação sexual, visto que as vítimas passaram a fica mais tempo em casa, sujeitas a abusos físicos e psicológicos e discriminação de familiares. Além disso, o relatório aponta como a falta de políticas públicas voltadas especialmente para as necessidades de saúde dessa parcela populacional dificultou o acesso a programas de apoio mental e tratamentos de doenças, além de ter promovido o desemprego em maiores níveis durante a pandemia, em especial dentre pessoas transgêneras.

Em países onde a homossexualidade é criminalizada o cenário pode ser ainda mais devastador. Em Uganda, por exemplo, as forças de segurança fecharam centros de acolhida onde pessoas LGBTQ+ se refugiavam, alegando que promoviam o espalhamento do vírus, relembra o relatório.

O fato é que a pandemia e a resposta desigual – e por vezes, criminosa – de governos a ela acentuaram uma realidade cruel e discriminatória. A falta de dados sobre a condição social e de saúde da população LGBTQ+ no Brasil e em outros países pode esconder um cenário ainda mais devastador. Especialmente em nosso país, a falta de políticas públicas especiais torna a pandemia ainda mais desafiadora para esse público, obrigado a lidar com o medo da miséria, do desamparo e da morte, seja pelo vírus, seja pela exclusão.

Referências

#VOTELGBT. Diagnóstico LGBT+ na Pandemia: Desafios da comunidade LGBT+ no contexto de isolamento social em enfrentamento à pandemia de Coronavírus. 2020. Disponível em <https://static1.squarespace.com/static/5b310b91af2096e89a5bc1f5/t/5ef78351fb8ae15cc0e0b5a3/1593279420604/%5Bvote+lgbt+%2B+box1824%5D+diagnóstico+LGBT%2B+na+pandemia_completo.pdf>

AMADO, G. Damares não usou verba para políticas LGBT em 2020. Jornal O Globo. 01/2021. Disponível em <https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/damares-nao-usou-verba-para-politicas-lgbt-em-2020-24828323>

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Constitution of the World Health Organization. 45 ed. Nova Iorque. 2006. Disponível em <https://www.who.int/about/governance/constitution>

PEREIRA, R. NEVES, G. Pandemia: desigualdade cresce mais no Brasil do que no mundo. Portal Terra. 10/2021. Disponível em <https://www.terra.com.br/economia/pandemia-desigualdade-cresce-mais-no-brasil-do-que-no-mundo,a4d788987cae5d79d4b21d92d9afaf94k8equsgc.html>

UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS SPECIAL PROCEDURES. Violence and discrimination based on sexual orientation and gender identity during the coronavirus disease (COVID-19) pandemic. 2020. Disponível em <https://www.ohchr.org/Documents/Issues/SexualOrientation/Summary-of-Key-Findings-COVID-19-Report-ESP.pdf>

Ventura, D., Bueno, F.De Líder a Paria de la Salud Global: Brasil como Laboratorio del “Neoliberalismo Epidemiológico” Ante la Covid-19. Foro Internacional. Colégio de Mexico. 2021. Disponível em <https://forointernacional.colmex.mx/index.php/fi/article/view/2835/2760>

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