Declaração Universal dos Direitos Humanos – Artigo 25
“1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”
A coexistência, em um mesmo momento da história, de indivíduos que lucram enormes quantias de dólares em um único dia e milhões de pessoas que se encontram em situação de fome é, no mínimo, incompreensível e paradoxal. A desigualdade no acesso a uma alimentação adequada e a cuidados médicos ainda é um dos maiores problemas quando pensamos em saúde global e, em decorrência da pandemia do coronavírus (Covid-19), o cenário piorou ainda mais.
Conforme a professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Elaine Machado, pode-se considerar um estado de insegurança alimentar leve quando existe uma preocupação, para o futuro, com a falta de alimentos ou com a alteração na qualidade da alimentação. Nesse sentido, a substituição de uma refeição rica em nutrientes por uma mais barata e marcada por farinhas e açúcares, também é considerada insegurança alimentar. Ainda de acordo com a professora, em um quadro de insegurança moderado já falta refeições para os adultos e, no caso grave, há restrição alimentar para todos os membros da família, que podem não ter uma ou mais refeições.
O fato de existir tamanha quantidade de pessoas, ao redor do mundo, que se encaixam nas situações descritas acima é extremamente grave. Segundo o relatório “O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) 2021”, feito conjuntamente por várias agências da Organização das Nações Unidas, a fome mundial sofreu um aumento latente no ano de 2020 e estima-se que 10% da população global se encontrou em um estado de subalimentação no ano passado.
A professora Elaine Machado ressalta que todos os níveis de insegurança alimentar podem resultar em impactos negativos na saúde como um todo, uma vez que a falta de consumo de alimentos e, consequentemente, a perda de energia afetam as partes cognitiva e física, podendo acarretar em perda de memória, quadros de anemia e até à morte. Assim, com a saúde fragilizada, o indivíduo fica ainda mais vulnerável à Covid-19 e suas consequências.
A insegurança alimentar já era considerada como um problema de saúde global antes da pandemia do coronavírus, entretanto, tal crise sanitária agravou ainda mais as condições de grupos vulneráveis, tanto economicamente quanto socialmente, e o SOFI mostra que a fome disparou em 2020 e superou o crescimento populacional. Percebe-se, também, que a maior parte das populações que se encontram em uma situação de restrição alimentar, ou de completa falta de alimentos, encontram-se em regiões subdesenvolvidas, com protagonismo para a Ásia, seguida pela África e América Latina e Caribe.
Ademais, o relatório das Nações Unidas aponta que as recessões econômicas causadas pela pandemia dificultaram, para muitos, o acesso aos alimentos e que a má nutrição foi ainda maior em lugares afetados por conflitos, mudanças climáticas e alto índice de desigualdade. Dessa forma, quando pensamos em insegurança alimentar e maneiras de acabar com tal realidade, ou ao menos diminuir ao máximo o seu impacto, devemos pensar também em todos os fatores intrínsecos e intensificadores de tal condição.
De uma perspectiva pessoal, quando penso sobre os principais problemas de saúde global, sinto uma enorme desesperança ao imaginar o que vai acontecer no futuro e quais caminhos a humanidade vai trilhar. Infelizmente, vivemos em um mundo em que as desigualdades de condições de vida são praticamente uma regra e, tendo em vista o recente comportamento de muitos, o egoísmo fala mais alto do que o bem-estar comum.
BIBLIOGRAFIA
ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em 20/08/2021.
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. SOFI 2021: Relatório da ONU destaca impactos da pandemia no aumento da fome no mundo. Disponível em: http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/pt/c/1415747/ Acesso em 20/08/2021.
Faculdade de Medicina UFMG. Insegurança alimentar cresce no país e aumenta vulnerabilidade à Covid-19. Disponível em: https://www.medicina.ufmg.br/inseguranca-alimentar-cresce-no-pais-e-aumenta-vulnerabilidade-a-covid-19/. Acesso em 20/08/2021
Achei muito interessante seu artigo Anna Beatriz, em especial a ideia presente no relatório de que é possível “ter o que comer” e ainda estar em situação de insegurança alimentar (moderada), como no exemplo que você deu, sobre a substituição de alimentos nutritivos por alimentos pouco saudáveis. Parece até mesmo contra intuitivo que um ultra processado seja mais barato e acessível que um alimento fresco, mas isso só mostra o quão injusto é a cadeia produtiva de alimentos no nosso país e no mundo de uma forma geral, com o arroz e feijão cedendo lugar para culturas comerciais. Faz sentido? 😉
Acredito que a insegurança alimentar seja um dos principais problemas quando pensamos em saúde global. Entendendo que saúde vai muito além de estar ou não doente, sabemos que as condições socioeconômicas são um dos maiores determinantes de bem-estar. Infelizmente, como mencionado na sua ótima reflexão, a pandemia da Covid-19 acentuou as desigualdades. Quando olhamos para o Brasil, é cada vez mais recorrente na mídia relatos de famílias que precisam escolher qual refeição do dia fazer. Num contexto de crise sanitária, a má nutrição afeta o sistema imunológico e deixa aqueles em situação de insegurança alimentar mais suscetíveis a adoecer. Não estamos todos no mesmo barco!
Ótima reflexão Anna, concordo com sua preocupação com o futuro tendo a insegurança alimentar no horizonte. Começo a reparar nessa realidade de forma mais evidente conforme vivenciamos a inflação nos alimentos de mais de 1% comparando julho e agosto de acordo com o último dado do IPCA-15, extremamente preocupante.
Discussão muito relevante, Anna Beatriz. O que me lembra as políticas econômicas que o Brasil está aplicando, que tem um enfoque em aumentar a exportação de alimentos para o mundo, enquanto que internamente, os indices de insegurança alimentar aumentam dia a dia. Ler notícias de que as pessoas estão comendo sopa de ossos, é muito triste. E mais triste ainda, considerando que o Brasil é um dos maiores exportadores de carne do mundo.