Nesse estudo, as autoras fazem uma análise qualitativa de 547 documentos de resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) e do trabalho de duas de suas comissões, a Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW, na sigla em inglês) e a Comissão sobre População e Desenvolvimento (CDP, na sigla em inglês), publicados entre 2014 e 2019. Elas buscam verificar se houve mudanças na linguagem e no conteúdo relacionado ao tema de saúde sexual e reprodutiva e direitos reprodutivos.
As autoras identificam, ao longo dos anos, o desaparecimento de referências ao aborto e uma mudança na linguagem para se referir à educação sexual, que passou a enfatizar o papel das famílias, além da resistência de alguns Estados em aceitar a agenda de saúde e direitos sexuais e reprodutivos, causando impasses nas sessões.
Isso reflete sobretudo a mudança na política interna dos Estados Unidos, ator primordial no cenário de Saúde Global, que defendeu a “Política da Cidade do México” durante o governo republicano de Donald Trump. Mesmo com a mudança recente de política interna nos EUA, essas ideias não tendem a desaparecer, tendo em vista a atuação de outros governos conservadores, como a Polônia e a Hungria.
Destacam-se, assim, os riscos à manutenção de uma agenda protetora da saúde e direitos sexuais e reprodutivos, não somente nas comissões analisadas, mas no sistema ONU e em outros fóruns internacionais, regionais e nacionais de formulação de políticas voltadas à saúde das mulheres e igualdade de gênero, onde essa coalizão conservadora atua.
O artigo trata de um tema crescentemente relevante na área de Saúde Global, qual seja a urgência em atribuir mais importância às mulheres na governança da Saúde Global, incluindo uma perspectiva feminista que se atente a relações de poder e exclusão no âmbito da Saúde (Wenham, 2021). Nesse sentido, a garantia dos direitos à saúde sexual e reprodutiva é um aspecto central na promoção da igualdade de gênero e na garantia dos direitos das mulheres (WHO, 2021). Assim, visto que há um conjunto de agências da ONU que estão dentre os principais atores influenciando a agenda de Saúde Global (Birn et al., 2016), as conclusões das autoras sugerem que a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos e, portanto, os direitos das mulheres, está sendo cada vez mais ameaçada dentro de arenas internacionais muito importantes.
Enviado por Luiza Piazza
Artigo: GILBY, Lynda; KOIVUSALO, Meri; ATKINS, Salla. Global health without sexual and reproductive health and rights? Analysis of United Nations documents and country statements, 2014–2019. BMJ Global Health, v. 6, n. 3, mar. 2021. DOI: 10.1136/ bmjgh-2020-004659. Disponível em: < https://gh.bmj.com/content/6/3/e004659.abstract>. Acesso em: 19 out. 2021.
Outras referências:
BIRN, Anne-Emanuelle; PILLAY, Yogan; HOLTZ, Timothy H. Global Health Actor and Activities. In: ______. Textbook of Global Health. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 141-192.
WENHAM, Clare. Introduction: Where are the women? In: ______. Feminist Global Health Security. New York: Oxford University Press, 2021. p. 1-29.
WHO. Sexual and Reproductive Health and Research (SRH), 2021. Disponível em: <https://www.who.int/teams/sexual-and-reproductive-health-and-research-(srh)/areas-of-work>. Acesso em: 19 out. 2021.