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Fobia social em tempos de Covid, de Daniel Rodrigues Freire Mota

23 setembro 2021

Fobia social em tempos de Covid, de Daniel Rodrigues Freire Mota

Um assunto como Saúde Global me faz refletir sobre como nosso cotidiano se deu em tempos pandêmicos. Todos nós sabemos que nossa vida não é, e provavelmente não será, mais como antes do surgimento da Covid-19. No entanto, o fato de uma doença unicamente mudar drasticamente nossa vivência nos faz negligenciar maiores atenções a outras adversidades patológicas que possam intensificar nosso quadro de saúde já debilitado, aguçado pelo contexto social que demonstra, sob a comunhão perante a pandemia, dores e sofrimentos similares.

 Em um contexto social no qual a desinformação além de já implementada, ainda é incentivada, a camuflagem sofrida por aspectos sanitários secundários ao coronavírus se tornam verdadeiros parasitas na vida do cidadão brasileiro. A alta potência de propagação e infecção do principal patogênico viral atual conduziu a uma política de isolamento nunca vista antes na história da humanidade, desenvolvendo processos de precariedade nas relações sociais (Estadão Conteúdo, 2020). Mas isso, todos nós já sabemos. O que é ainda, surpreendentemente devido à gravidade da situação primária, mascarado são as ansiedades e os oportunismos patológicos de outras fontes, estimulando um modelo de insegurança já implementado naturalmente. Diversas são os fatores que nos atormentam até mesmo antes deste ser que muitos chamam sarcasticamente como “micróbio “. Aqui, como exemplo, se destaca o modo como a própria mídia brasileira destaca o coronavírus em detrimento a outras doenças, ainda presentes e até intensificadas pela precariedade de apoio ao nosso sistema de saúde (Nácul, 2020).

Como podemos ver ao nosso redor, em conversas com conhecidos ou até mesmo os contatos externos realizados de maneira necessária, constrói-se, a cada dia mais, um consenso de que nosso cotidiano está “voltando ao normal “. Infelizmente, esse consenso demonstra uma realidade bastante diferente, causada por um psicólogico ainda abalado por justamente um fator, como já mencionado, parasita: a fobia social. Definida pela Organização Mundial da Saúde como um medo social aliado à timidez extrema (BBC, 2019), ela reflete preocupações de interação coletiva intensificadas em um cenário de isolamento quase que forçado, transmitindo uma sensação de alta exposição mesmo quando estamos em um momento de maior preservação com o mundo externo.

Minha reflexão se dá na medida que tal ansiedade desperta uma vontade quase que bipolar em termos de interatividade e contato social. Em momentos de conversa com grupos de amigos, o desejo de encontros e vivências que proporcionem experiências físicas é também acompanhado de um desânimo e certo medo em voltar “à vida como era antes”. Ademais, essa dualidade ainda acarreta diversos prejuízos que repercutem não apenas na vida social, mas também acadêmica e profissional. Em um contexto no qual disciplinas parecem expandir sua carga de leitura e atividades no modelo EAD, segundo um estudo realizado em 2018 pela pesquisadora Karen Graner, professora do curso de psicologia da Universidade do Vale do Rio Doce, 30 % dos estudantes universitários são acometidos por sofrimentos psicológicos, aumentando-se essa taxa para 49,1% quando trazido para escala mundial, exacerbando-se ainda mais no período atual pandêmico (Graner, 2019). Infelizmente, esse retrato é visto até mesmo em instituições de excelência como nossa universidade, na qual podemos observar alguns colegas desistindo ou trancando suas matrículas devido à carga emocional e física pesada que a Covid-19 traz à tona por meio da pandemia, e ainda promulgada pela própria dualidade interativa (Agência Estado, 2020). 

Desse modo, uma desanimação generalizada com tudo e com todos que alcança os ambientes, não só, acadêmicos fica cada vez mais evidente, enquanto mais notícias sobre a incerteza da cura da Covid-19 se sobressaem, muitos destacando a possibilidade de sua presença imortal, mesmo não letal, dentro da sociedade humana. Amizades se esvaem por meio da virtualidade do cenário que nos encontramos, o aprendizado se defasa aos poucos e muitos de nós apenas ficamos mais vulneráveis à incerteza do momento e do futuro. Será que um dia voltaremos ao que “era antes”, e digo, antes até mesmo dessa(s) fobia(s)?

Referências

G1. Fobia social: Quando o sofrimento pela timidez é tanto que a saída é se esconder. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/07/28/fobia-social-quando-o-sofrimento-pela-timidez-e-tanto-que-a-saida-e-se-esconder.ghtml>. Acesso em: 20 Sep. 2021.

GRANER, Karen Mendes; CERQUEIRA, Ana Teresa de Abreu Ramos. Revisão integrativa: Sofrimento psíquico em estudantes universitários e fatores associados. Ciência & Saúde Coletiva, v. 24, n. 4, p. 1327–1346, 2019.

R7.COM. USP: novos estudantes vindos de escola pública já são 47%. R7.com, 2020. Disponível em: <https://noticias.r7.com/educacao/usp-novos-estudantes-vindos-de-escola-publica-ja-sao-47-04082020>. Acesso em: 20 Sep. 2021.

Covid-19: A tragédia do Século 21. ISTOÉ DINHEIRO. Disponível em: <https://www.istoedinheiro.com.br/covid-19-a-tragedia-do-seculo-21/>. Acesso em: 20 Sep. 2021.

NÁCUL, Miguel Prestes; FONSECA, Mariana Kumaira; SOMMER, Renato Antônio. The hidden side of the coronavirus tragedy. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 47, .

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Guilherme Affonso Salles Pereira
2 anos atrás

Está sendo realmente difícil encontrar motivação para certos assuntos de nossa vida desde que a pandemia começou, Daniel. Na minha opinião, boa parte dos benefícios que a universidade nos proporciona está na interação social com pessoas completamente diferentes que habitam o ambiente universitário e, por conta da Covid-19, essa interação diminuiu, em alguns casos, a zero.
Apesar disso, ainda tenho forte esperança de que, assim que possível, voltaremos ao que “era antes”. Talvez leve um tempo para perdermos o medo, mas acredito que chegaremos lá!

AMANDA GONÇALVES MACHADO
2 anos atrás

Como já comentado pelo Guilherme, também espero muito que consigamos voltar ao “normal de antes”. Sem dúvidas os efeitos da pandemia ainda serão sentidos por muito tempo e de diferentes formas pelas pessoas, mas na minha opinião, a humanidade só chegou até aqui – diante de um cenário tão caótico, incerto e amedrontador como a emergência da Covid – pelo anseio e saudade da normalidade, de voltar ao que tínhamos antes e, mais do que nunca, valorizá-lo. Assim, continuo otimista de que, com o tempo, o “novo normal” voltará a ser o saudoso “velho normal”.

Aimée Ibrahim
2 anos atrás

Compartilho da sua preocupação com o tema, Daniel. Minha ansiedade ao lidar com situações de socialização com certeza aumentou, e acredito que demorará algum tempo até que retorne ao “normal”. Mas, como nosso colega Guilherme coloca no comentário dele, acredito que após a segunda dose, ainda tomando todos os cuidados, ao interagirmos com alguns colegas e amigos iremos retomar nossos níveis de inteligência emocional em se tratando de socialização.