Nas situações em que um grupo de pessoas tem sua segurança ameaçada, como em epidemias ou catástrofes naturais, a comunicação de riscos se refere ao amplo compartilhamento de informações ao público, com o objetivo de explicar às pessoas sobre os riscos que correm e quais comportamentos de proteção elas devem seguir. A Organização Mundial da Saúde (OMS) lista a comunicação de riscos como um dos diversos tipos de intervenção sanitária a serem adotados em caso de Emergências de Saúde Pública. Visto que essa comunicação é de suma importância para que a população saiba colaborar com a proteção de suas vidas e suas comunidades, a OMS elaborou diretrizes para que os países saibam como realizá-la de forma eficaz (OMS, 2018). Tendo como base as recomendações da organização, este texto busca analisar brevemente algumas medidas de comunicação praticadas por diferentes governos ao longo da atual pandemia de COVID-19, identificando os bons e maus exemplos que ficam para o futuro.
A gestão brasileira da pandemia oferece um rol de maus exemplos em termos de comunicação. A nível institucional, destacam-se uma campanha e um pronunciamento oficial do presidente incitando as pessoas a irem às ruas e o “retorno à normalidade”[1], a não implementação do plano elaborado pelo Ministério de Comunicação[2] e a falta de planejamento para campanha publicitária relacionada à vacinação[3]. Já os líderes e figuras de governo desafiaram publicamente a ciência e a OMS, polarizando a população, causando confusão e desconfiança[1, 4]; em resumo, fez-se tudo o que a comunicação deve evitar, sobretudo em situações de risco à vida da população.
Tais desvios também marcaram presença em outros locais. Nos Estados Unidos, líderes como o ex-presidente e governadores demonstraram comportamentos e falas anticientíficas e absurdas[5]. Para além disso, já foram apontadas falhas no tom e desencontros no conteúdo do discurso de oficiais de saúde, que ora minimizaram, ora causaram pânico, diminuindo a confiança da população[6]. O Reino Unido também é notório pelas atitudes públicas de seus governantes: embora tenha atenuado esse discurso, o primeiro-ministro inicialmente minimizou a gravidade da doença[7] e o (agora ex) Secretário da Saúde foi flagrado desobedecendo às próprias recomendações[8].
Felizmente, porém, o descrito acima não foi a norma. Avaliação publicada pelo Painel Independente para Preparação e Resposta à Pandemia no início de 2021 apontou que a comunicação consistente e transparente foi um dos muitos pontos em comum entre os países reconhecidos como casos de resposta bem-sucedida à pandemia de COVID-19[9]. Convém, então, explorar quais foram as medidas implementadas nesses locais.
Em rede nacional, a primeira-ministra neozelandesa Jacinda Ardern reconheceu a gravidade, a incerteza e a ansiedade do momento e descreveu, passo a passo, como o governo iria agir dali em diante e o que seria esperado da população em cada fase de combate à disseminação do vírus, dando instruções claras de como as pessoas deveriam se comportar nas semanas seguintes[10]. Na Coreia do Sul, o presidente Moon Jae-in deixou a comunicação sob responsabilidade da Agência Coreana de Controle e Prevenção de Doenças (KDCA), que já possuía uma estrutura de comunicação estabelecida desde a epidemia de MERS. Essa estrutura incluía, por exemplo, canais oficiais de distribuição de mensagens de texto, que informam diretamente aos cidadãos sobre cada novo alerta relacionado à pandemia[7, 11, 12]. O discurso amplamente propagado e o uso de aplicativos de texto (neste caso, o WhatsApp) também foram estratégias adotadas pelo primeiro-ministro Lee Hsien Loong, de Singapura, para informar, tranquilizar e pedir cooperação da população[13]. No Vietnã, o Ministério de Informação e Comunicações executou diversas ações[14]: desde janeiro de 2020, alerta e atualiza frequentemente o público sobre a pandemia, usando diferentes meios, da televisão às rádios locais; lançou um jingle sobre o vírus que se popularizou entre os jovens[15]; afixou, em locais públicos, cartazes com informações sobre medidas preventivas; e instituiu multas a pessoas que compartilhassem informações falsas nas redes sociais[16]. Por fim, na Tailândia, além da comunicação regular e transparente feita pelo Ministério da Saúde por diversos meios, foi criada uma linha de telefone multilíngue com informações sobre a pandemia, voltada às populações migrantes do país[17].
Em vista de todos esses casos, destacam-se dois aspectos. Em primeiro lugar, há um ponto em comum entre esses “bons exemplos”: estão de acordo com as recomendações da OMS sobre estratégias que, de modo geral, são as mais eficazes. Isso significa que buscaram conquistar a confiança e a participação das populações afetadas e integrar a comunicação de riscos aos sistemas de saúde e de resposta às emergências, de forma coordenada, planejada e qualificada, incluindo boas atitudes de lideranças públicas; além disso, souberam usar diferentes meios de comunicação e linguagens para atingir o público amplamente (OMS, 2018).
Em segundo lugar, a experiência da pandemia de COVID-19 deixou evidente que é preciso aprender com o passado[9]. É inevitável fazer uma associação entre bons exemplos mencionados e o fato de muitos serem países que sofreram recentemente com epidemias, sobretudo de outros coronavírus da família do Sars-Cov-2. Assim, que os exemplos elencados sejam lembrados, servindo de inspiração do é possível fazer, do que pode ser adaptado aos diferentes contextos e, sobretudo, das estratégias e atitudes que não devem mais se repetir em hipótese alguma.
Referências
[1] CONECTAS Direitos Humanos; CEPEDISA-USP. Boletim n. 10. Direitos na Pandemia – Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. São Paulo, 20 jan. 2021. Disponível em: <https://www.conectas.org/publicacao/boletim-direitos-na-pandemia-no-10/>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[2] ABRASCO. Plano de comunicação do governo federal para a pandemia não sai do papel. 06 mai. 2021. Disponível em: <https://www.abrasco.org.br/site/noticias/plano-de-comunicacao-do-governo-federal-para-a-pandemia-nao-sai-do-papel/59051/>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[3] SENADO Notícias. Ex-coordenadora do PNI diz que ‘líder da nação’ prejudicou vacinação. 08 jul. 2021. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/08/ex-coordenadora-do-pni-diz-que-2018lider-da-nacao2019-prejudicou-vacinacao>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[4] SILVA, Cícera Renata Diniz Vieira et al. Comunicação de risco no enfrentamento da COVID-19 no Brasil: uma análise retórica. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 31, n. 2. 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/physis/a/PQw8XtjBptqYfRBWCH89pnN/abstract/?lang=pt>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[5] UOL. NY tem 30 chamados por ingestão de desinfetante; melhor prevenção é higiene. 25 abr. 2021. Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/04/25/ny-tem-30-chamados-por-ingestao-de-desinfetante-melhor-prevencao-e-higiene.htm> eSHVETSOVA, Olga et al. Governor’s Party, Policies, and COVID-19 Outcomes: Further Evidence of an Effect. American Journal of Preventive Medicine Online. 2021. Disponível em: <https://www.ajpmonline.org/article/S0749-3797(21)00506-7/fulltext#relatedArticles>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[6] CIDRAP. COMMENTARY: Public health’s share of the blame: US COVID-19 risk communication failures. 24 ago. 2020. Disponível em: <https://www.cidrap.umn.edu/news-perspective/2020/08/commentary-public-healths-share-blame-us-covid-19-risk-communication>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[7] QUARTZ. To communicate about Covid-19, be more like the Netherlands. 18 ago. 2020. Disponível em: <https://qz.com/1893053/countries-communicate-poorly-about-covid-19/>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[8] DW. Ministro britânico cai após violar lockdown com amante. 27 jun. 2021. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/ministro-brit%C3%A2nico-cai-ap%C3%B3s-violar-lockdown-com-amante/a-58064129>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[9] THE Independent Panel for Pandemic Preparedness and Response. COVID-19: Make it the Last Pandemic. 2021. Disponível em: <https://theindependentpanel.org/wp-content/uploads/2021/05/COVID-19-Make-it-the-Last-Pandemic_final.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[10] NEW Zealand Government. PM Address – Covid-19 Update. 21 mar. 2020. Disponível em: <https://www.beehive.govt.nz/speech/pm-address-covid-19-update>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[11] NPR. The Global Leaders Who Have Been Effective During The Coronavirus. 16 abr. 2020. Disponível em: <https://www.npr.org/2020/04/16/835710001/the-world-leaders-who-have-been-effective-during-the-coronavirus>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[12] POLICY Options. What we can learn from COVID communications in other countries. 05 nov. 2020. Disponível em: <https://policyoptions.irpp.org/magazines/november-2020/what-we-can-learn-from-covid-communications-in-other-countries/>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[13] MULLENLOWE Salt. What COVID-19 can teach us about risk communications. 18 fev. 2020. Disponível em: <https://mullenlowesalt.com/blog/2020/02/what-covid-19-can-teach-us-about-risk-communications/>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[14] KHÁNH, Đỗ Tá; HANSEN, Arve; WERTHEIM-HECK, Sigrid. Governing Covid-19 in Vietnam: the Politics of Pandemic Control. European Policy Brief. 2021. Disponível em: <https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-03151049/document>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[15] A música, inclusive, virou uma “dancinha” no TikTok que atingiu 8 bilhões de visualizações. Ver: OUR World in Data. Emerging COVID-19 success story: Vietnam’s commitment to containment. 05 mar. 2021. Disponível em: <https://ourworldindata.org/covid-exemplar-vietnam>. Acesso em: 13 nov. 2021.
[16] Nota-se, porém, que é necessário cautela ao valorizar esse tipo de lei, conforme apontado por organizações de defesa dos Direitos Humanos.
[17] WORLD Health Organization Thailand; THAILAND Ministry of Public Health. Joint Intra-Action Review of the Public Health Response to COVID-19 in Thailand. Julho de 2020. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/searo/thailand/iar-covid19-en.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2021.
Outras referências
ORGANIZAÇÃO Mundial da Saúde. Comunicação de riscos em emergências de saúde pública: um guia da OMS para políticas e práticas em comunicação de risco de emergência. Genebra, 2018. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/259807/9789248550201-por.pdf?sequence=10&isAllowed=y>. Acesso em: 13 nov. 2021.
Sem dúvidas a comunicação é uma ferramenta crucial na maneira com que cada governo aborda a pandemia. Gostaria de destacar também a comunicação da OMS e a sua atuação no estágio inicial da pandemia, em que a comunicação não parece ter sido a mais rápida e eficiente possível, como aponta o Relatório “The Independent Panel for Pandemic Preparedness and Response (2021). COVID-19: Make it the Last Pandemic.”.
Neste relatório, uma das conclusões é que a OMS poderia ter declarado o coronavírus como uma Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional de maneira mais rápida, bem como os próprios governos terem acatado as recomendações disseminadas pela OMS com relação à prevenção de pandemias de maneira mais séria e responsável. Como aponta o relatório: he emergence of COVID-19 was characterized by a mix of some early and rapid action, but also by delay, hesitation, and denial”
Nesse ponto, sem dúvida a comunicação foi um grande diferencial entre aqueles que conseguiram fazer um controle de danos de maneira mais eficiente daqueles que simplesmente negaram a periculosidade do vírus.
Ótimo texto, Luiza!
Gostaria de adicionar que, além da má comunicação brasileira – e aqui englobo todos os atores, além do governo federal (que o fez de forma proposital) – continua, em novembro de 2021, batendo na tecla de que “seguem os protocolos”, sendo esse protocolo um frasquinho de álcool gel, quando já se tem estudos que comprovam que a transmissão se da pelo ar, uma vez que o vírus é um aerosol.
A entrevista do Vitor Mori, físico da Universidade de Vermont, é bem esclarecedora sobre como se pensava a transmissão no começo da pandemia e o que já sabemos hoje. (https://www.youtube.com/watch?v=zPO0pN2Dahc)