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Antivacinação nas redes sociais: um projeto de morte, de Ariel Motta Costa

5 outubro 2021

Antivacinação nas redes sociais: um projeto de morte, de Ariel Motta Costa

Na última década, houve uma queda significativa na cobertura vacinal brasileira, com surtos de doenças como caxumba e sarampo ressurgindo. Essa diminuição da vacinação é atribuída a diversos fatores que se interligam como, a complacência das gerações mais novas com doenças que vêem como inofensivas, justamente pela segurança gerada pela imunização, a deficiência do sistema de assistência básica em saúde para esclarecer e reforçar a importância dos imunizantes e o crescimento de um público antivacina.

Pregando que vacinas podem gerar efeitos colaterais adversos como autismo ou paralisia, que o sistema imune “natural” do corpo é proteção suficiente para qualquer mazela ou ainda que a força divina é a única defesa necessária, esse movimento antivacina se espalha pelas redes sociais propagando informações pseudocientíficas para justificar suas crenças. Contudo, a partir da pandemia de COVID-19, houve uma mudança significativa na propagação de informações falsas acerca dos imunizantes: elas passaram a também ser divulgadas por discursos e comunicações oficiais dos membros do governo federal e a integrar um projeto político de propagação do vírus, como revelado pelo Boletim Direitos na Pandemia nº 10, estudo publicado pela Conectas em janeiro de 2020 (ASANO, C. Et al.).

Em um levantamento feito pela BBC Brasil, que investigou publicações do Facebook com palavras chaves sobre as vacinas contra o coronavírus, apurou-se que 66% das postagens vinculando notícias falsas advêm de perfis favoráveis ao presidente da república ou dentro de seu espectro político. Além disso, o caráter político das publicações fica claro quando seu conteúdo é analisado: a maioria segue as críticas que o presidente realizou à fabricação, testagem e “objetivos escusos” por trás das aquisições dos imunizantes.

Entre agosto e novembro de 2020, antes que o governo federal possuísse um plano de imunização, o presidente afirma: “A vacina chinesa de João Dória: Para o meu Governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém.” e “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la.”(as falas foram extraídas do Boletim Direitos na Pandemia nº 10: Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à COVID-19 no Brasil, jan/2020, São Paulo). Seguindo esta mesma linha de pensamento, 36% das publicações antivacina questionavam os interesses das lideranças políticas ao comprar os imunizantes e estruturar campanhas de vacinação, atacando principalmente figuras como João Dória (PSDB), atual governador de São Paulo e provável adversário nas eleições presidenciais de 2022. Suas críticas argumentavam erroneamente que a produção das vacinas Sinovac havia sido feita de maneira ilegal e insegura pelo laboratório e/ou seriam uma forma de expansão do poder chinês no Brasil, a “vachina”.

Além disso, 39% dos posts lançavam dúvidas sobre a segurança dos imunizantes, alegando a existência de efeitos colaterais e mortes não comprovadas e sobre seu processo de fabricação, duvidando da eficácia anunciada pelo seu tempo curto de desenvolvimento. Questionamentos sobre a possibilidade de alteração do DNA humano ou os percentuais de eficácia divulgados pelos laboratórios estão entre os mais comuns. Já em dezembro de 2020, quando a campanha de vacinação já havia sido iniciada em alguns países do globo, o presidente brasileiro declarava: “Lá no meio dessa bula está escrito que a empresa não se responsabiliza por qualquer efeito colateral. Isso acende uma luz amarela. A gente começa a perguntar para o povo: você vai tomar essa vacina?

Seguindo a tese apresentada no nº10 do Boletim de Direitos Humanos na Pandemia (ASANO, C. Et al., 2020) e pela CPI da COVID-19, em que o governo intencionalmente propagou o vírus almejando uma suposta imunidade de rebanho, essas publicações que acompanham o discurso negacionista e antivacina do governo federal não são apenas parte do aumento “orgânico” do movimento no Brasil, mas também parte dessa estratégia de propagação. A difusão dessas mentiras serve para sustentar o apoio a um projeto que matou e continua a matar milhares de pessoas, disfarçando interesses em ganhos privados durante a compra de vacinas, crimes de responsabilidade, contra a humanidade e eugenia como preocupações e receios diante de supostas irregularidades e perigos dos imunizantes.

Mesmo com o avanço da vacinação no Brasil, que felizmente já abarca a maioria dos adultos com ao menos a 1ª dose de algum imunizante, não devemos esquecer o plano macabro orquestrado pelo poder executivo, além de diversos membros do legislativo, judiciário e seus apoiadores civis, que atrasou e prejudicou enormemente a campanha de imunização e o custo em vidas que esse negacionismo gerou. Quando um cidadão decide espalhar mentiras sobre as vacinas podemos chamar de desinformação, contudo, quando um governo decide fazer o mesmo, é um crime contra a humanidade.

Referências:

BARIFOUSE, Rafael. Fetos abortados, microchips e Bill Gates: as mentiras sobre a vacina da covid-19 que já contam por aí. BBC News Brasil, São Paulo, jan/2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-53533697>. Acesso em: 03 de out. 2021.

Os 6 tipos de mensagens enganosas mais comuns contra as vacinas de covid-19 nas redes sociais e o que diz a ciência sobre elas.  BBC News Brasil, São Paulo, maio/2021. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-c47d82b0-2ff7-4795-95f4-f84de9ae7581#>. Acesso em: 03 de out. 2021.
JUNIOR, VLP. Anti-vacinação, um movimento com várias faces e consequências. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, nº 8, jun/2019, pp. 116-122. Disponível em: <https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/542/595>. Acesso em: 03 de out. 2021.

SCHUELER, Paulo. A pandemia da desinformação. FIOCRUZ, agosto/2020. Disponível em: <https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1883-a-pandemia-da-desinformacao> Acesso em: 03 de out. 2021.

SMITH, R.; CUBBON, S.; WARDLE, C. Under the surface: Covid-19 vaccine narratives,

misinformation and data deficits on social media. First Draft, 2020. Disponível em : <https://firstdraftnews.org/wp-content/uploads/2020/11/FirstDraft_Underthesurface_Fullreport_Final.pdf>. Acesso em: 03 de out. 2021.

 CRUZ, Adriane. A queda da imunização no Brasil. Revista Consensus, nº 25, pp. 20-29. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/revistaconsensus_25_a_queda_da_imunizacao.pdf>. Acesso em: 03 de out. 2021.

ANDRADE, Fernanda Fernandes. Et al. Movimento antivacina: Uma ameaça real. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, ed.03, v. 2, março/2021, pp. 72-79. Disponível em: < https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/ameaca-real>. Acesso em: 03 de out. 2021.

LIMA, A. A.; PINTO, E. S.. O contexto histórico da implantação do Programa Nacional de Imunização (PNI) e sua importância para o Sistema Único de Saúde (SUS). Scire Salutis, v.7, nº 1, 2017, pp.53-62. Disponível em: <http://sustenere.co/index.php/sciresalutis/article/view/SPC2236-9600.2017.001.0005/1008>.Acesso em: 03 de out. 2021.

ASANO, C. Et al.  Boletim Direitos na Pandemia nº 10: Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à COVID-19 no Brasil, 1ª versão, jan/2020, São Paulo. Disponível em: <https://www.conectas.org/publicacao/boletim-direitos-na-pandemia-no-10/>. Acesso em: 03 de out. 2021.

BERTONI, Estevão. O balanço e os rumos de uma CPI que entra em seu sexto mês. NEXO, set/2021. Disponível em: < https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/09/30/O-balan%C3%A7o-e-os-rumos-de-uma-CPI-que-entra-em-seu-sexto-m%C3%AAs?posicao-home-direita=1>. Acesso em: 03 de out. 2021.

Vacinação contra a Covid: 93 milhões completaram o esquema vacinal e estão totalmente imunizados; 147,3 milhões tomaram a 1ª dose. G1, out/2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/saude/coronavirus/vacinas/noticia/2021/10/02/vacinacao-contra-a-covid-93-milhoes-completaram-o-esquema-vacinal-e-estao-totalmente-imunizados-1473-milhoes-tomaram-a-1a-dose.ghtml>. Acesso em: 03 de out. 2021.

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bianca de Oliveira
2 anos atrás

Muito relevante a forma como o artigo faz o contraponto entre a desinformação propagada pela população, e a sistemática divulgação de notícias falsas pelo governo federal brasileiro. A posição negacionista do bolsonarismo gerou, em grande parte dos Estados, uma guerra ideológica entre os governos estaduais e federais. Ainda, no campo das relações internacionais, a constante descrença do governo federal no multilateralismo e nas organizações internacionais, colocando o Brasil em uma posição isolacionista e até de ofensa à outros Estados, retirou do Itamaraty o protagonismo da compra de vacinas. Diante dessa configuração, houve o aumento da paradiplomacia nos Estados, como é o exemplo da comercialização da coronavac entre o governo chinês e o Estado de São Paulo.
Deixo aqui um artigo sobre essa mudança de papeis: https://www.empowerconsult.com.br/single-post/o-protagonismo-da-paradiplomacia-e-o-descaso-do-itamraty