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A verdadeira energia carregada pelos cristais de cura, de Carolina Almeida Freitas

29 outubro 2021

A verdadeira energia carregada pelos cristais de cura, de Carolina Almeida Freitas

Nos últimos anos tem sido possível perceber uma crescente acelerada nos assuntos relacionados ao autoconhecimento, conexão com a natureza e seu “eu interior”, acompanhados por uma procura por processos de cura. Essa nova tendência mundial de consumo, trouxe os cristais como o Quartzo, Ágata, Ametista, Quartzo Rosa, entre outros, com a promessa de possuírem propriedades energéticas que podem trazer os mais diferenciados benefícios seja para a saúde física, como a mental, além de terem características favoráveis a questões de relacionamentos, e limpeza energética de ambientes.¹

Por conta dessa imagem que foi criada a cerca dos cristais, a sua presença está se valorizando cada dia mais, de forma que muitos produtos que contêm essas pedras têm sido criados e vendidos a preços altíssimos, elitizando o seu consumo, e criando uma relação de status elevado para aqueles que conseguem adquiri-los. Como um retrato disso, pode-se perceber uma elevada produção de conteúdo sobre esses cristais nas redes sociais, onde os chamados “influencers” estão frequentemente estimulando seu consumo e afirmando seus benefícios.¹

No entanto, esse mesmo cristal que chega por um preço elevado até os consumidores finais, foi extraído do meio ambiente por trabalhadores em situações extremamente degradantes. As minas de extração são abertas de forma irregular, sem qualquer fiscalização, onde os trabalhadores são expostos a um ambiente de elevado risco devido à falta de equipamentos de segurança adequados, além de permanecerem por horas em locais com elevada umidade, e onde respiram frequentemente o pó dos minerais escavados, causando inúmeras mortes trágicas e evitáveis. Ainda, muitas famílias que dependem desse trabalho para sua subsistência colocam suas crianças para ajudar desde cedo, as expondo a riscos ainda maiores devido à sua fragilidade.¹ 

O número de garimpeiros têm se elevado nos últimos tempos devido ao aumento da demanda, e a ideia de um mercado potencial que surge a partir da venda em grande escala desses cristais, porém em Madagascar, onde têm-se uma grande extração de Quartzo e outras pedras, essas pessoas conseguem vendê-las por preços ridiculamente pequenos, e que sofrem uma extrema valorização depois de passarem por processamentos, e serem vendidos em países desenvolvidos como nos Estado Unidos, o que traz uma falsa ideia de enriquecimento a partir do trabalho de extração dos cristais.¹ Além disso, muitas pessoas encontram-se trabalhando em condições análogas à escravidão por meio de promessas falsas em garimpos clandestinos, inclusive no Brasil, onde em 2011, em Diamantina foram libertadas 31 pessoas que viviam nessas condições, trabalhando exaustivamente na extração de Quartzo, na chamada Operação Senzala. Países de terceiro mundo como a Índia, China e principalmente o Brasil, são os que possuem o maior número de garimpos ilegais, e que vendem suas extrações aos países de primeiro mundo por preços baixíssimos, caracterizando os cenários de exploração.²

Depois de falar sobre as questões da saúde das pessoas que trabalham extraindo esses cristais “com poderes de cura” e com “boas energias”, não podemos deixar de mencionar os danos ambientais que esse tipo de extração causa. Como já mencionado, não há qualquer tipo de regulamentação que proteja os trabalhadores, e limite a exploração do meio ambiente, de forma que os materiais e as técnicas utilizadas não respeitam a sustentabilidade da natureza, causando impactos muitas vezes irreversíveis.¹

Portanto, o questionamento que fica é se esses cristais não carregam também a energia dos processos de exploração humana e ambiental da sua extração, e a que custo realmente vale a pena incentivar esse comércio que aparentemente pode trazer mais impactos negativos para a vida humana do que positivos. É preciso conhecermos a origem do que estamos consumindo, para termos a certeza das condições éticas para que tal produto esteja em nossos domínios. 

Referências

  1. MCCLURE, Tess. Dark crystals: the brutal reality behind a booming wellness craze. The Guardian, Boston, 17 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2019/sep/17/healing-crystals-wellness-mining-madagascar 
  2. REZENDE, Felipe. Polícia Federal faz operação para combater extração de minério e trabalho escravo em Diamantina. O Tempo, 06 de abril de 2011. Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/policia-federal-faz-operacao-para-combater-extracao-de-minerio-e-trabalho-escravo-em-diamantina-1.427584 
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Nina Oliveira Schettino de souza
2 anos atrás

Muito interessante a perspectiva que você trouxe, Carolina. Não tinha parado pra pensar no tamanho desse mercado antes. Dei uma olhada no artigo do The Guardian que você referenciou (muito bom, aliás) e lá é mostrado que uma marca de cristais que se diz sustentável/justa afirmou não ser responsável pelas condições da produção de seus produtos (tirando de si a “culpa” sobre a cadeia de produção abusiva). Hoje em dia, muito se fala sobre produções em massa (fast-fashion, por exemplo) e sobre comprar sustentavelmente, mas várias marcas que se vendem como sustentáveis/justas não se colocam como as responsáveis pelas produções de seus produtos, o que faz com que esse rótulo de “sustentável” seja apenas uma máscara para a produção abusiva com péssimas condições de trabalho/segurança que já conhecemos.