Em setembro de 2015, 193 países reunidos na Assembleia Geral da ONU aprovaram o aprovaram o documento “Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”, em que afirmaram o compromisso com 17 objetivos e 169 metas voltados para a erradicação da pobreza e outras ações nos três âmbitos do desenvolvimento – o econômico, o social e o ambiental. Trata-se de uma agenda ambiciosa e, do ponto de vista dos entusiastas da cooperação internacional, um avanço essencial para os debates sobre desenvolvimento. Desde então, tornou-se um desafio tremendo a implementação e monitoramento de tal agenda. Um dos passos essenciais nesse processo é a nacionalização dos ODS, isto é, a adaptação dos objetivos e metas para as realidades nacionais.
O Brasil ocupa uma posição interessante diante da Agenda 2030, uma vez que participou ativamente das negociações que a criaram (ARAÚJO, 2020) e faz parte do grupo seleto de países que possui diretrizes de territorialização dos ODS, elaboradas pelo IPEA em 2018 (SILVA, 2018). Nesse artigo, busco discorrer sobre a nacionalização das metas propostas pelo ODS 3: “Saúde e Bem-Estar” – o objetivo específico da saúde – bem como sobre o seu potencial de atingimento no Brasil.
Com relação ao objetivo de saúde no desenvolvimento sustentável (abordei sobre o conteúdo desse objetivo em outro inédito: https://saudeglobal.org/a-saude-nos-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-de-maria-eduarda-ogassawala-canever/), é importante notar que se trata de um objetivo extremamente amplo e com o maior número de metas da Agenda 2030, o que confirma a centralidade da saúde para o desenvolvimento. Ainda assim, o processo de nacionalização desse objetivo foi cumprido: das 13 metas propostas pela Agenda, as 13 foram acatadas pelo Brasil e 12 delas passaram por alguma adequação. Com as adequações, algumas metas se tornaram mais ambiciosas (como é o caso das duas primeiras metas: mortalidade materna e mortalidade infantil), outras passaram por alterações de prazo, as tornando mais realistas (como a sexta meta, referente às mortes no trânsito) e algumas sofreram alterações no texto, as tornando mais próximas do contexto brasileiro (como, por exemplo, a adição de doenças pertinentes à realidade brasileira na terceira meta: hepatites virais, arboviroses transmitidas pelo aedes aegypti e outras).
Foram conduzidos também estudos buscando entender o potencial do Brasil de atingir os objetivos. Em 2019, foram elaborados os Cadernos ODS, que faziam uma avaliação do desempenho do país em cada objetivo e um levantamento de quais políticas e programas existentes podem contribuir para seu alcance. Para o ODS 3, o levantamento aponta vinte programas e políticas. Entre essas políticas e instituições, destaca-se o SUS. Tendo em vista que promover sistemas universais de saúde era uma das metas propostas, sua existência é vista como essencial para o atingimento do ODS 3. Além disso são destacados o Plano Nacional de Imunização, a Estratégia Saúde da Família, a Política de controle do HIV/AIDS e hepatites virais, entre outros programas, muitos deles já consolidados e apresentando resultados positivos, o que coloca o Brasil em uma posição de destaque na área da saúde em comparação com outros países em desenvolvimento.
O Brasil possui, portanto, um alto potencial de atingimento ou pelo menos avanço nas metas do ODS 3. Entretanto, as avaliações de desempenho do Brasil no ODS 3 demonstram que a taxa de crescimento atual não é o suficiente para se atingir as metas até 2030. Então quais são os obstáculos que o Brasil enfrenta para atingir a saúde e o bem-estar da sua população?
Os próprios Cadernos ODS apontam que o SUS, que é a principal forma de se atingir as demais metas, tem como obstáculo o subfinanciamento estatal, aliado à concessão de subsídios fiscais para a saúde privada (SÁ e BENEVIDES, 2019). Com a vigência da Emenda Constitucional nº 95/2016, que congela os gastos públicos reais da União por vinte anos, a situação se torna ainda mais crítica.
Para além do levantamento público, Moreira et al. (2019) conduzem uma pesquisa com especialistas em saúde sobre o potencial do Brasil de cumprir com os ODS. Na perspectiva dos especialistas, o ODS 3: “Saúde e Bem-Estar” ocupa a 12ª posição (de um total de 17) em potencial de cumprimento. Além disso, chama a atenção que os dois objetivos avaliados pelos especialistas como os que mais contribuiriam para o atingimento do ODS 3 – os ODS 4: “Educação de Qualidade” e 1: “Erradicação da pobreza” – também têm uma avaliação baixa em termos de cumprimento. O ODS 4 ocupa a 11ª posição e o ODS 1, a última.
A avaliação feita pelos Cadernos ODS e pelos especialistas em saúde demonstra ceticismo com relação ao atingimento do ODS de saúde. Se por um lado a ambição da Agenda 2030 têm concordância com as aspirações brasileiras por desenvolvimento nacional, as condições políticas e econômicas do país se tornam um entrave gigante no seu atingimento. Um ponto que não é considerado pelos entusiastas da cooperação internacional é que, para se atingir objetivos nobres e ambiciosos, estes precisam estar no centro do debate político público dos países. Pode-se dizer que os ODS, assim como a saúde, são temas que perderam espaço no debate político desde 2016, quando passou a ser defendida uma diminuição do papel do Estado no desenvolvimento.
Referências
ARAÚJO, Ana Beatriz Arantes et al. A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e o Brasil: uma análise da governança para a implementação entre 2015 e 2019. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/29191. Acesso em: 30 de outubro de 2021.
MOREIRA, Marcelo Rasga et al. O Brasil rumo a 2030? Percepções de especialistas brasileiros (as) em saúde sobre o potencial de o País cumprir os ODS Brazil heading to 2030. Saúde em Debate, v. 43, p. 22-35, 2020.
SÁ, Edvaldo Batista de; BENEVIDES, Rodrigo Pucci de Sá. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades: o que mostra o retrato do Brasil?. 2019. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9379. Acesso em: 26 de outubro de 2021.
SILVA, Enid Rocha Andrade da Coordenadora. Agenda 2030: ODS-Metas nacionais dos objetivos de desenvolvimento sustentável. 2018. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=33895&Itemid=433. Acesso em: 26 de outubro de 2021.