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A insegurança alimentar em tempos de COVID-19, de Andrea dos Santos

4 outubro 2021

A insegurança alimentar em tempos de COVID-19, de Andrea dos Santos

No cenário brasileiro, desde 2017 já vínhamos presenciando, na população, uma diminuição no percentual de pessoas vivendo com mais de um salário mínimo e o aumento de pessoas em extrema pobreza, bem como uma redução na aplicação de políticas sociais e de segurança alimentar gerando uma elevação nos índices de insegurança alimentar e fome, além de aumento no sobrepeso e obesidade, mostrando fracasso das estratégias alimentares em assegurar uma   alimentação   apropriada,   exequível   e sustentável (DAUFENBACK,2021).

Após a declaração pela OMS, em 30 de janeiro de 2020, como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), a pandemia por COVID-19 chega ao Brasil.

A resposta da maioria dos países foi o isolamento físico como medida de contenção da epidemia. Esse modelo fez a população redefinir as formas de viver inclusive as práticas alimentares, como a imposição de obrigações sanitárias e sociais reestruturando as conexões com a comida e o comer no decorrer deste período (VERTHEIN & GASPAR, 2021). Os mais vulneráveis economicamente foram os mais atingidos aumentando muito mais a desigualdade social, exigindo das políticas públicas um endurecimento no que diz respeito a segurança alimentar (ARAÚJO et al, 2020).

Em junho de 2020, a Organização das Nações Unidas, apontou em seu relatório, que mais de 130 milhões de pessoas no mundo estaria em situação de insegurança alimentar devido a pandemia e que a fome pode ter atingido até 811 milhões de pessoas (GALINDO,2021). Desde o início da pandemia o Comitê de Segurança Alimentar Mundial já alertava para o perigo da ocorrência de instabilidade no abastecimento de alimentos e mudanças no padrão de compra da população, com hábitos alimentares menos saudável (VERTHEIN & GASPAR, 2021).

Muitos movimentos sociais no Brasil, já indicavam, desde os primeiros meses, que a pandemia, refletiria na segurança alimentar nas residências brasileiras, pela privação na obtenção do alimento de qualidade, como consequência da desaceleração da economia, que já estava acontecendo, como demonstrado no relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 2019. (GALINDO, 2021).

Nos últimos anos, as crises sociais, econômicas e políticas, agravada pela crise sanitária mundial, imposta pela pandemia do COVID-19, impactaram negativamente, direcionando para o aumento da insegurança alimentar no Brasil (GALINDO, 2021).

Pesquisa realizada, no território brasileiro entre os meses de agosto a dezembro de 2020, construiu o retrato da desigualdade, no que tange a deficiência ao acesso a alimentos de qualidade durante a pandemia. Essa carência ocorre, especialmente, em lares com crianças, em que a mulher é a responsável, de raça/cor parda e preta, residentes nas regiões Norte, Nordeste e rurais, e com menor renda per capita (GALINDO, 2021).

Em busca de amenizar o problema da fome no território brasileiro, principalmente para a população de baixa renda, algumas estratégias foram criadas como a distribuição do auxílio emergencial, distribuição de alimentos ou vouchers para compensar a ausência de merenda para as crianças de acordo com o ciclo escolar e o oferecimento de cestas básicas a grupos indígenas, quilombolas e assentados. Essas estratégias foram dispositivos relevantes para o aquecimento da economia, com impacto no consumo das famílias, motivando a atividade econômica de alguns setores.  No entanto a demora no processamento destas ações, a não contemplação de todos os necessitados, a diminuição do valor recebido e o aumento no preço dos alimentos, que compõe a cesta básica, tornaram essas ações insuficientes para o enfrentamento com consequente piora na qualidade da alimentação (DAUFENBACK,2021). 

O isolamento social provocado pela pandemia impôs um enorme desafio para driblar a fome como a continuação do fornecimento da alimentação escolar, ação de extrema importância para a população de baixa renda, pois a suspensão das aulas em escolas publicas implicou não só no orçamento de muitas famílias como em um prejuízo na qualidade e na quantidade da alimentação dos alunos (AMORIM et al, 2020).

Com o comprometimento da oferta e demanda de alimentos, a pandemia acarretou mudanças na alimentação, refletindo na saúde, colaborando para o surgimento das doenças crônicas não transmissíveis (GALINDO, 2021).

Com base nestes dados é possível verificar que a pandemia agravou ainda mais as crises sociais, econômicas e políticas, acarretando mudanças na qualidade de vida da população, aumentando a insegurança alimentar, refletindo na saúde, no momento em que mais precisava de bem-estar, contribuindo, inclusive, para o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, como a diabetes, a hipertensão arterial e a obesidade.

Se de fato o Brasil tivesse investido em políticas sociais que garantisse o distanciamento social, seguimento dos contactantes e o uso rotineiro de máscaras, talvez tivéssemos uma resposta de qualidade ao enfrentamento desta pandemia.

Referências

AMORIM, A. L. B. de; RIBEIRO JUNIOR, J. R. S.; BANDONI, D. H. Programa Nacional de Alimentação Escolar; estratégias para enfrentar a insegurança alimentar durante e após a COVID-19. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 1134 – 1145, jul-Ago 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-761220200349. Acesso em: 25/08/2021.

ARAÚJO, F. R. de; CALAZANS, D. L. M. e S. Gestão das ações de segurança alimentar frente à pandemia pela COVID-19. v. 54, n. 4, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-761220200329.  Acesso em 01/10/2021.

DAUFENBACK, V.; COELHO, D. E. P.; BÓGUS, C. M. Sistemas Alimentares e violações ao Direito Humano à Alimentação Adequada. v. 28, 2021.

GALINDO, E. et al. Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil. [S.l.: s.n.], 2021.

VERTHEIN, U. P.; GASPAR, M. C. D. M. P. Normativizando o comer: analise crítica de guias alimentares brasileiros e espanhóis no contexto da pandemia de COVID-19. Ciência & Saúde Coletiva, Vol.26 (4), n. 4, p. 1429 – 1440, abril 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/zsSmqzT6zJzcG7m9JXx34gN/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 25/08/2021.

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bianca de Oliveira
2 anos atrás

Muito triste a realidade que enfrentamos hoje no Brasil. Dialogando com o artigo, há uma matéria recente do Extra Brasil, 2021, “A dor da Fome”, que relata a luta dos brasileiros contra a fome durante a pandemia. Um relato chocante de um motorista de caminhões de ossos conta como os moradores do bairro da Glória, no Rio de Janeiro, fazem fila para conseguir restos de ossos de boi para alimentação própria: “Antes as pessoas passavam aqui e pediam um pedaço de osso para dar para os cachorros. Hoje, elas imploram por um pouco de ossada para fazer comida. O meu coração dói”.