Os hábitos de consumo e produção de qualquer tipo de conteúdo normalmente seguem um padrão. Livros eram dedicados para elite, até que a prensa gutenberg conseguiu popularizar esse tipo de mídia. Filmes tinham o aspecto de 4:3 até que a tecnologia de telas de plasma permitiu o formato mais adequado de 16:9. Esses padrões só conseguem se disseminar e estabelecer graças à globalização moderna. O mundo globalizado levou a humanidade a ficar mais próxima e diversos sentidos, uns mais concretos que os outros, e dois desses foi pela criação de padrões e por uma homogeneização cultural.
No que diz respeito à produção e consumo de conteúdo, especificamente audiovisual, a história desses padrões é intrinsecamente ligada à tecnologia. A história dessa mídia começa com produções cinematográficas na proporção 4:3, curtas e caras que, com o tempo, passaram a seguir um novo padrão de proporção horizontal 16:9, serem mais longas e acessíveis – tais quais os filmes e séries que consumimos hoje na nossa televisão. Até que foi introduzida uma nova tecnologia chefe nesse cenário: o celular. Pela primeira vez, existem e se é consumido mais conteúdo em monitores verticais do que horizontais. Essa mudança de paradigma na forma de consumo levou a mesma mudança na produção de conteúdo – hoje assistimos muito mais tempo de tela em feeds de redes sociais, stories e outros meios verticais, em que nós mesmo podemos produzir, do que filmes e outras mídias tradicionais. Agora, as telas não precisam ser imersivas -tais quais as 16:9 horizontais das nossas televisões- pois o conteúdo se tornou descartável e está na palma da sua mão, eis o novo padrão. Se os filmes encaixaram como um reflexo da modernidade líquida, prendendo o espectador por algumas horas até que a experiência acabe, o conteúdo digital atual reflete uma contemporaneidade etérea.
O mundo globalizado moderno consiste em orbitar em torno dos gigantes industriais, colocando todos sob a cultura de fenômenos e elementos rápidos, dinâmicos, feitos para o descarte. O momento presente não se faz diferente de tudo isso, na verdade, é discutível até que avançamos tanto nesse sentido que já estamos em outra etapa. Conteúdos audiovisuais não precisam ser horizontais porque eles sabem que, uma vez que eles duram 15 segundos, a prioridade deles não é te imergir, mas sim te dar a satisfação de consumo em questão de instantes e ser descartado inconsequentemente. Vários conteúdos estão sendo postos nessas tendências, áudios de redes sociais, podcasts e até mesmo séries e vídeos acelerados em serviços de streaming.
Essa dinâmica é o mais novo estágio de algo que já vinha agindo como zeitgeist da saúde mental humana há séculos. A mente humana passou a ser treinada desde o início da era industrial para ter um prazo de vida cada vez menor, uma constante ansiedade e procura que só pode ser evitada e saciada por uma felicidade imediata – padrão de consumo. O fruto disso são os já noticiados níveis inéditos e cada vez maiores de ansiedade, depressão e outros distúrbios psicológicos que a juventude experimenta (HOGE BICKHAM & CANTOR, 2017). Esse padrão de consumo é posto como uma demanda que leva a uma inevitável adaptação da oferta – padrão de produção. Essa adaptação é a já citada no blog e em aula, hiperinformação. Fenômeno que tem variadas manifestações e reflexos, desde a hiperprodução de notícias com as fakenews como reflexo até a hiperprodução de conteúdo audiovisual descartável com o vício em redes sociais e telas como reflexo.
As tendências de produção e consumo de conteúdo audiovisual não são as raízes do problema de hiperinformação, produção e consumo. Mas essas servem como um bom fio de analisar uma tendência socioeconômica e cultural mais ampla que a nossa sociedade industrial caminha. Essa indústria audiovisual é talvez uma das mais palpáveis para nós, jovens que temos uma relação quase afetiva com o espaço e conteúdo digital (TURNER, 2015). Ela é extremamente próxima de vários problemas que estamos experienciando agora na quarta fase da indústria. É na nossa existência em espaços como redes sociais, onde consumimos a maioria desses conteúdos, que deixamos nosso rastro digital que permite empresas a desenvolverem algoritmos cada vez mais predatórios (ZUBOFF & SCHWANDT 2019). Gradualmente deteriorando nossa privacidade ativamente, filmando nossas vidas compulsivamente, ou passivamente, continuando a existir digitalmente nesses espaços mesmo cientes das consequências. Consumindo de um jeito ou de outro, nem que passivamente, colaborando com plataformas que a própria existência é baseada na hiperinformação. Como dito antes, a história da indústria audiovisual não é a raiz do estado da nossa sociedade, mas uma ótima ferramenta de análise, que se conecta com o que já foi posto pela nossa comunidade nesse espaço como tópicos que pertencem à saúde global, as ferramentas sociais de nossa mente, a saúde desta e o estado de hiperconsumo que ela se encontra.
Referências
TURNER, Anthony. (2015). Generation Z: Technology and Social Interest. Disponível em: <https://muse.jhu.edu/article/586631/pdf#:~:text=Published%20for%20the%20North%20American%20Society%20of%20Adlerian%20Psychology.&text=The%20article%20explores%20Generation%20Z,parents%2C%20teachers%2C%20and%20clinicians.>
Zuboff, S., & Schwandt, K. (2019). The age of surveillance capitalism: the fight for a human future at the new frontier of power.