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A coletividade como solução: o combate à pandemia da Covid-19 em comunidades brasileiras, de Lúcia Puglia

18 outubro 2021

A coletividade como solução: o combate à pandemia da Covid-19 em comunidades brasileiras, de Lúcia Puglia

Quando uma crise generalizada ocorre, principalmente uma pandemia de um vírus altamente contagioso, espera-se que o poder público de um Estado Democrático de Direito mapeie a situação, estabeleça os critérios de combate à doença e aja em prol de assegurar, na medida do possível, a saúde da população. Entretanto, em meio a um governo conspiracionista e marcado pelo negacionismo científico, o que foi visto no Brasil foi um descaso quanto a procedimentos básicos para garantir a saúde pública, universal e eficaz a todos. 

Em meio ao desamparo, os agentes sociais podem buscar a coletividade como um meio possível de solucionar temporariamente os problemas presentes, principalmente dentre a população mais vulnerável. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população de bairros pobres é a mais atingida pela pandemia do novo coronavírus, com uma desigualdade ainda maior em função da subnotificação de casos. Exemplos de ações deste tipo não faltam e, ainda que não tenham conseguido se estabelecer como uma solução de longo prazo devido à falta de recursos para sua manutenção, podem promover um panorama de futuros planejamentos e fatores a serem considerados em crises posteriores pelos governos locais.

Um exemplo seria o grupo formado em Paraisópolis, comunidade da zona sul de São Paulo. Conforme explicita uma reportagem do Nexo de julho de 2020, desde março a comunidade vinha implementando uma estratégia com resultados positivos de enfrentamento da crise sanitária. Uma pesquisa do Instituto Pólis, organização da sociedade civil voltada ao direito à cidade, registrou que, em maio de 2020, a taxa de mortalidade por covid-19 na região era de 21,7 pessoas por 100 mil habitantes, o que é mais de 50% menor do que a média municipal (56,2) e também bem menor que outras regiões vulneráveis da cidade, como Pari (127), Brás (105,9) e Brasilândia (78). 

Os desafios enfrentados eram muitos: moradias com muitas pessoas, difícil acesso aos serviços de saúde, falta de saneamento básico, com abastecimento de água intermitente, perda de fontes de renda, insegurança alimentar latente e falta de informação científica sobre o vírus. O coordenador geral dos centros de acolhimento da comunidade e um dos coordenadores do G10 Favelas, Igor Alexsander Gonçalves Amorim, afirmou que todas as iniciativas provém de financiamentos coletivos, com a maior sendo contribuição de pessoas físicas e uma parcela de pessoas jurídicas. Dentre as iniciativas propostas, estavam ações voltadas a garantir a segurança alimentar, testagem em massa, busca ativa de novos casos e garantia de quarentena aos infectados, atendimento médico 24h por dia, capacitação de socorristas, criação de presidentes de rua responsáveis por cuidar e orientar diversas famílias e incentivo ao empreendedorismo local. 

O Instituto Pólis reforçou que a eficácia do modelo criado em Paraisópolis, focado numa medicina integrativa e de atenção básica à saúde, demonstra a importância de sua implementação como política de Estado em outras regiões vulneráveis. Ainda que seu alto custo e falta de auxílio governamental tenha impedido a continuidade do programa por mais tempo, ele pode servir de inspiração e potencializar outros programas, com maior financiamento.

Um exemplo é o Programa Jovens Construtores, realizado pela organização não governamental (ONG) Centro de Promoção da Saúde (Cedaps), que promoveu financiamento e implementação de 52 propostas de jovens residentes em dez comunidades cariocas para o combate, prevenção e efeitos do vírus em seus territórios. A estimativa era de que aproximadamente quatro mil pessoas fossem  atingidas por essas iniciativas. Dentre os projetos apresentados, havia a promoção de cultura na favela em tempos de pandemia, o combate à fake news e discussões político-raciais, divulgação de panfletos sobre organização dos estudos à distância e elaboração de currículos e ações de solidariedade à população idosa. A coordenação do programa afirmou que o objetivo era manter a rede de contatos na região e potencializar o protagonismo juvenil  para a resolução dos problemas complexos que vivem em suas comunidades.

Portanto, o olhar atento a tais iniciativas – coletivas, populares e periféricas – abre espaço para pensar em políticas públicas mais próximas à realidade de quem mais precisa. Ir para além de espaços institucionais e compreender que a troca de experiências entre indivíduos de diferentes origens, vivências e conhecimentos é essencial para a formulação de próximos planos de combate a epidemias no Brasil e em outros países do Terceiro Mundo.

Referências

GANDRA, A. Jovens de comunidades se juntam para combater impacto da covid-19. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 11 dez. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-12/jovens-de-comunidades-se-juntam-para-combater-impacto-da-covid-19. Acesso em 14 out. 2021.

LIMA, J. D. Por que Paraisópolis se destaca no combate ao coronavírus. Nexo, 01 jul. 2020. Disponível em <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/07/01/Por-que-Paraisópolis-se-destaca-no-combate-ao-coronavírus> . Acesso em 14 out. 2021.

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Gabriela molina
2 anos atrás

Muito interessante seu texto, Lúcia! A situação da pandemia frequentemente me gera uma sensação de impotência frente à magnitude do problema e o desamparo estatal. É bem revigorante ler sobre iniciativas comunitárias bem-sucedidas.

Karla Vialta
2 anos atrás

É uma pena que o Estado falhe (não apenas nessa situação, mas penso bastante sobre situações de Segurança Pública também) tanto na proteção de certas partes da nossa população, realmente parece parte de um projeto muito maior de manter a marginalidade e vulnerabilidade dessas pessoas. Apesar da situação ser toda muito criticável devido ao papel falho dos gestores públicos em lidar (ou mesmo em reconhecer) as crises, sempre surge um sentimento de esperança quando vemos iniciativas de ONGs e de comunidades de se ajudarem.