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A bioacumulação de microplásticos na cadeia alimentar, de Elizeth Lopes

14 novembro 2021

A bioacumulação de microplásticos na cadeia alimentar, de Elizeth Lopes

A história do planeta Terra é caracterizada pelas eras geológicas, cada uma com peculiaridades ambientais, por vezes moldadas por situações extremas. Dentro dessas categorias há ainda mais divisões, onde o surgimento dos seres humanos é bem recente. Algumas pesquisas apontam que a sociedade contemporânea vive o nascimento de uma nova era geológica chamada “Antropoceno”, que pode ser definido como o momento em que a quantidade de materiais artificiais criados pelos humanos supera os naturais, e o equilíbrio do ambiente é alterado. Dentro dessa nova configuração, o plástico é um dos materiais que se apresenta de forma mais disseminada. Inclusive, um estudo publicado na revista Science(1) aponta que o plástico pode vir a ser o registro fóssil da presença da humanidade no planeta, por causa de suas propriedades de durabilidade.

Na história, o plástico começou a ser produzido de forma mais intensificada a partir do pós-Segunda Guerra, em um período chamado de “A Grande Aceleração”, em que houve muita evolução social e industrial. A importância desse material nessas dinâmicas é indiscutível, entretanto, os requisitos que o fazem ser um produto tão prático, também são os que tornam um grande problema ambiental. Milhares de toneladas de plástico são produzidos, utilizados e descartados todos os dias, e, sua desagregação é muito demorada, tanto que ainda não se tem um consenso no tempo necessário para o material se decompor completamente. Sem processos de captação e reciclagem eficazes, o que podemos ver é o acúmulo massivo de plástico em todos os lugares do planeta, como por exemplo, quando a excursão Gyre, liderada pelo biologista marinho, Carl Safina, encontrou pilhas de lixo plástico em praia desertas e pouco acessíveis no Alaska(2).

As consequências desse acúmulo são variadas, sendo algumas das mais marcantes: a Grande Ilha de Lixo do Pacifico, que é formada por correntes marinhas que movimentam todo o lixo para essa mesma região, a poluição disseminada, o desequilíbrio ambiental e a bioacumulação na cadeia alimentar. Como o plástico não é um material duro, mas muito resistente, com o passar do tempo vai se quebrando em pedaços cada vez menores até atingir níveis microscópicos, sendo esses chamados de microplásticos. E, considerando que grande parte do lixo vai parar nos oceanos, essas partículas acabem se misturando com a vida marinha.

A presença do plástico nos oceanos vem se tornando tão forte que um estudo publicado na revista Nature, em 2020, aponta para um novo ecossistema marinho, chamado “Plastisfera”(3), no qual, seres microscópicos aderem as superfícies plásticas e começam a se reproduzir, além de serem levados para novos ambientes que não poderiam ser alcançados de outras formas, dada as distâncias, predadores, etc. Dessa forma, espécies invasoras aparecem em novos ambientes causando desequilíbrios ambientais. Com relação à cadeia alimentar, a fauna marinha confunde os microplásticos com alimentos, e quanto maior o nível de alimentação, maior a bioacumulação, até chegar ao ser humano. Pesquisas recentes, como o relatório da WWF International (2019) demonstrou as quantidades de plásticos que pode estar sendo consumidas individualmente nos EUA(4), o relatório da America Chemical Society (2020), apresentou a acumulação desse material em órgãos humanos(5) e, o artigo publicado na Science Direct (2021), comprovou pela 1° vez a presença de microplásticos em fetos e na placenta humana(6).

Ainda não é conhecido os efeitos da exposição dessas partículas no organismo, além de faltarem pesquisas sobre o longo prazo. O que se pode assumir são os efeitos em outros animais menores, no qual, o plástico vai se acumulando nos órgãos e gera obstruções físicas, principalmente, no sistema gastrointestinal. Para além disso, ainda há a possibilidade de que essas partículas liberem substâncias tóxicas e, até mesmo cancerígenas, como o Bisfenol-A (BPA), ou que vá aderindo outras substâncias no ambiente até chegar ao organismo humano que o absorve. A questão principal é que sabemos que estamos ingerindo plástico, mas não sabemos se há consequências, ou quais são elas. Enquanto isso, mais e mais material é produzido e não existe uma responsabilidade clara sobre quem deve lidar com o descarte. O nível de reciclagem é muito abaixo do ideal para evitar todo o acúmulo atual, porque o custo de produção é muito barato. Algumas figuras importantes da defesa da vida marinha, como Ellen MacArthur, velejadora britânica premiada, defendem uma economia circular(7), onde os produtores devem ser responsáveis pela administração do plástico após a sua utilização.

Dessa forma, o que podemos ver é que todo esse processo é muito recente, e, como colocado no começo, estamos vivendo em um momento inédito que há muito mais material não-natural do que em qualquer outro tempo da história. Os efeitos no sistema imunológico, por exemplo, dos fetos que apresentam as partículas de microplástico são desconhecidos. Desse modo, é preocupante a falta de respostas para muitas dessas questões, mas, quando olhamos para o sistema como um todo, se percebe que o plástico é só um fator de toda uma escala de produção industrial que serve diretamente ao nosso modo de vida. É inviável parar de produzir plástico, pois dependemos desse material na construção de quase tudo. É um problema relacionado com questões estruturais, não existem soluções fáceis. Encontrar um equilíbrio na produção deve ser uma prioridade, mas isso requer um consenso que não parece muito próximo no horizonte.

Notas de rodapé:

1. BRANDON, J. A., Jones, W., Ohman, M. D. Multidecadal increase in plastic particles in coastal ocean sediments. 2019. Sci. Adv. 5, eaax0587. DOI: 10.1126/sciadv.aax0587. Disponível em: <https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.aax0587>. Acesso em: 08 nov. 2021.

2. SAFINA, carl; GYRE, Expedition (comp.). No Refuge: Tons of Trash Covers The Remote Shores of Alaska. 2013. Elaborada por YaleEnvironment360. Disponível em: <https://e360.yale.edu/features/carl_safina_gyre_tons_of_trash_covers_shores_alaska>. Acesso em: 08 nov. 2021.

3. AMARAL-ZETTLER, L.A., Zettler, E.R. & Mincer, T.J. Ecology of the plastisphere. Nat Rev Microbiol 18, 139–151. 2020. DOI: 10.1038/s41579-019-0308-0. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/s41579-019-0308-0#citeas>. Acesso em: 08 nov. 2021.

4. FUNDO MUNDIAL PARA A NATUREZA (WWF). No plastic in nature: Assessing plastic ingestion from nature to people. Suíça: Dalberg Advisors. 2019. Relatório. ISBN: 978-2-940529-95-7. Disponível em: <https://wwf.panda.org/wwf_news/?348337/Revealed-plastic-ingestion-by-people-could-be-equating-to-a-credit-card-a-week>. Acesso em: 09 nov. 2021.

5. AMERICAN CHEMICAL SOCIETY. Micro and nanoplastics detectable in human tissues. American Chemical Society (ACS) Fall 2020 Virtual Meeting & Expo. ScienceDaily. 2020. Disponível em: <www.sciencedaily.com/releases/2020/08/200817104325.htm>. Acesso em: 08 nov. 2021.

6. RAGUSA, A., Svelato, A., Santacroce, C., Catalano, P., Notarstefano, V., Carnevali, O., et al. Plasticenta: First Evidence of Microplastics in Human Placenta. Environ Int. 2021. 146:106274. DOI: 10.1016/j.envint.2020.106274. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0160412020322297>. Acesso em: 09 nov. 2021.

7. ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, New Plastics Economy. The New Plastics Economy — Rethinking the future of plastics & Catalizing Action. 2017. Relatório. Disponível em: <https://ellenmacarthurfoundation.org/the-new-plastics-economy-rethinking-the-future-of-plastics-and-catalysing>. Acesso em: 09 nov. 2021.

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