Minha prima perdeu o primeiro filho.
Ela sempre teve a vontade de montar uma família. Ela e o marido são advogados, adoram a profissão, um ao outro, e sempre quiseram uma família. Minha prima também sempre teve ovários policísticos. Muitas na família têm, mas o efeito mais grave caiu sobre quem tinha mais a perder no momento.
A trompa rompeu. Hemorragia interna. Cirurgia.
Colocando dessa maneira pode parecer um procedimento comum, e para alguns talvez seja, mas não é sempre assim. O trauma psicológico em cima disso é maior do que se espera. Ninguém falou sobre o assunto por muito tempo. Quem quebrou o silêncio foi minha prima.
Ano novo. Grávida de novo.
Eles esperaram dessa vez. A memória ainda era recente, não queriam arriscar contar antes da certeza. Mas comemoramos, claro. Era ano novo, e junto dele veio o verão, e junto do verão as pancadas de chuva, e junto da chuva os mosquitos. Normal, exceto que não. Porque minha prima estava grávida e ninguém sabia a consequência do vírus zika com certeza, e ninguém podia arriscar porque os sintomas nem sempre eram tão fortes, fáceis de confundir com outra coisa. Mesmo o foco da doença não sendo em São Paulo, mesmo morando em uma região com condições sanitárias e atendimento médico bom, mesmo não havendo certeza de quando na gestação o vírus afeta o feto, não há argumento sólido que acalme uma pessoa.
A família estava nervosa. Minha prima, no entanto, o olho do furacão. Calma, com certeza de que tudo daria certo.
Foram meses de evitar pessoas, não sair de casa, de ficar calma porém não confortável, que o vírus estava pronto, por aí. Mesmo que a zona rural de Campinas não fosse o lugar mais propício à propagação do vírus Zika; mesmo o código postal deles não sendo marcado na lista dos mais perigosos à vida; minha família nunca foi propensa a se acalmar, a regra de ‘todo cuidado é pouco’ sendo bem respeitada. Ainda assim, minha prima estava calma, certa de que tudo estava bem.
As Olimpíadas acabaram e o bebê nasceu.
A notícia foi recebida e todos pararam o que estavam fazendo para visitar. Eles ficaram em um hospital maternidade, com salas e salas cheias de mães e seus filhos. De onde passei, quase não havia quarto vazio, pessoas saindo e entrando o tempo todo. Quando chegamos, minha prima estava cansada; o bebê, no entanto, já estava no quarto. Segundo ela, um dia depois do parto, já tinha aprendido a dar banho nele, e as enfermeiras a deixaram sozinha. Cuidar da criança era responsabilidade dela. As mulheres da família logo viram o problema com isso. Ainda assim, a criança estava saudável e logo minha prima pode ir para casa, com recomendação de continuar tentando amamentar, que o estímulo logo daria efeito.
Não aconteceu bem assim.
Passou uma semana e minha prima mal conseguia amamentar. Médicos especializados e um hospital privado, e ainda assim nem todos os pontos da gravidez foram cobertos. Que dirá quem não tem acesso a tudo isso, se o processo da gravidez, que dura desde a fecundação até meses após o parto, se a devida atenção foi dada, ao físico e ao psicológico da mulher. Eles trocaram de médico, que determinou a situação ‘normal’ e ‘saudável’, e receitou uma marca de leite em pó para amamentar. Minha prima consultou uma psicóloga. O alívio foi palpável no ar.
Sentei com a minha prima para perguntar como foi, como ela estava e como achava que ia ficar. Está tudo maravilhoso, ela disse, podia ser pior.