
Adoecer “[é] a forma de dar um tempo para o organismo se recuperar e até mesmo de preservar o grupo social de adoecer. Mas esse comportamento está cada vez mais reprimido nas sociedades modernas pela forma como a produtividade dos trabalhadores é encarada”, afirma Frederico Azevedo da Costa Pinto, especialista em patologia experimental e comportamento animal e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Em seu projeto de pesquisa intitulado “Homem Moderno: Um Animal Privado Socialmente do Direito de Adoecer”, o autor relata que a crescente pressão por produtividade e cobrança por aparência saudável e forte tem levado indivíduos a recusarem período de descanso em casa, recorrendo à automedicação para não perder sua jornada de trabalho. Para o pesquisador, “[e]xpressar a doença, além de comportamento natural, favorece a recuperação do paciente”, e a supressão do direito de adoecer tem impedido esse processo.
Costa Pinto ainda considera em sua pesquisa os efeitos da desigualdade social na expressão do adoecer, uma vez que os incentivos à supressão do comportamento doentio variam de acordo com a ocupação e situação econômica dos indivíduos.
Com sua pesquisa, o autor critica os efeitos perversos da estrutura socioeconômica sobre a saúde: “Não faz sentido ter uma economia crescendo em detrimento da perda de liberdade individual e da saúde do indivíduo. De fato, precisamos repensar a cultura do crescimento, da industrialização, do mercado de consumo, do lucro. Crescer é uma cobrança em todos os grupos sociais e em todos os níveis. Mas o que cresce sem parar é tumor, é câncer”.
Enviado por Andressa Lisauskas Araujo.
Muito interessante essa notícia, Andressa!
Principalmente se analisarmos o trecho onde o pesquisador diz que “Existe uma ampla gama de estados emocionais alterados aparentemente associados com jornadas longas de trabalho, instabilidade, pressão para produtividade continuada e outros tantos parâmetros de demanda alta de comprometimento com com o emprego moderno. (…)Episódios de ansiedade, depressão e síndrome do pânico são frequentemente associados com o ambiente de trabalho e muitas vezes levam ao afastamento dele por muito mais tempo que doenças simples. (…)Caso ficasse evidente que o impacto de manter alguém trabalhando é mais prejudicial do que deixar essa pessoa repousar e faltar, seria mais fácil argumentar em favor de legislação que defendesse o direito das pessoas de expressar a doença na sociedade moderna.”
Podemos fazer uma relação, então, entre essa notícia e outra postada também nesse blog (https://saudeglobal.org/2017/06/12/brasil-e-segundo-pais-que-mais-perde-dinheiro-com-a-depressao-no-trabalho/), que diz que o Brasil é o segundo país que mais perde dinheiro com a depressão no trabalho, cerca de R$ 206 bilhões.
Embora a depressão no trabalho possa ser influenciada por outros fatores, como falta de perspectiva, é possível associar, em grande parte, esse quadro depressivo ao ritmo acelerado e às cobranças no ambiente de trabalho. Nesse cenário, muitas pessoas acabam assumindo mais responsabilidades do que podem dar conta e ficam esgotadas.
Nesse sentido, muito do que o pesquisador Frederico Azevedo da Costa Pinto disse na notícia desse post pode ser comprovado. De fato, a alta pressão por produtividade, que faz com que as pessoas trabalhem mesmo doentes, pode levar a quadros depressivos ou de ansiedade, que são ainda mais prejudiciais, não só às pessoas afetadas, mas também às empresas, do que um simples resfriado.
Oi Andressa e Sati! Gostei muito dessa reportagem, especialmente por evidenciar os efeitos da expansão do capitalismo na saúde, como no trecho abaixo:
“[…] Ao contrário, países que tendem a jornadas de trabalho cada vez mais longas e à terceirização submetem o trabalhador a pressões cada vez mais absurdas, suprimindo o direito do indivíduo de adoecer, avalia. “O direito de ficar doente tende a se tornar inaceitável nessas sociedades, pois atendem a uma lógica que torna os indivíduos dispensáveis”, avalia.”
Isso me lembrou de uma conversa que eu tive com a minha psicanalista essa semana, pois mesmo quem possui o “luxo” de ter um tempo de ócio, a meu ver essencial para a saúde, também é pego pela ideia da produtividade do capitalismo. Por exemplo, há quem se sinta culpado por no tempo livre não fazer algo “útil” ou “divertido”, de forma a realmente “aproveitar” esse tempo. No entanto, seguir um planejamento é totalmente contrário à ideia do ócio, já que é o período de se desligar do mundo e de si mesmo.
Os fatos apresentados na notícia tornam-se latentes quando consideramos a situação atual brasileira de crise e desemprego. Além das já normalizadas pressões do mercado de trabalho para que seja realizado cada vez mais e mais rápido com cada vez menos, há a pressão de que, caso isso não ocorra, há outras pessoas tão ou mais qualificadas que estariam dispostos a realizar tais atividades e que, se por ventura o você fique desempregado, há uma grande dificuldade de realocação no mercado, principalmente para as pessoas mais velhas.
Essa nova pressão reforça tal imposição de que “o trabalhador é obrigado ser saudável” e colabora para essa lógica de forçar o trabalhador a ser mais produtivo mesmo que isso custe sua saúde, seja trabalhando mais em suas funções ou seja acumulando funções daqueles que foram desligados da companhia.